quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Insuficiência da Sagrada Escritura, desconexa da “Mente da Igreja”


Edmilson Martins


Não faltam nos dias hoje protestantes que, não satisfeitos em torcer as palavras das Sagradas Escrituras, também torcem os ensinamentos dos Santos Padres. Surpreendentemente  vez ou outra vemos algum utiliza os Santos Padres (como Santo Agostinho, Santo Irineu, Santo Atanásio, etc), para justificar a heresia e a falácia logica da Sola Scriptura protestante.

A caricatura de Santo Agostinho, criada por Lutero e os demais protestantes, não leva em conta o contexto de suas afirmações. Para Santo Agostinho, o Evangelho e a Igreja Católica, permanecem juntos, isto é o Evangelho é sempre recebido no contexto da pregação católica. Não poderia ser de outra forma para os Santos Padres que de forma alguma defendiam um Cristianismo multi-institucional. Desta forma, o testemunho das Escrituras para Santo Agostinho, é sempre “auto-evidente”, mas somente para “fieis” católicos, aqueles que já desenvolveram consciência espiritual, e isto é apenas possível dentro da Igreja. Origenes, insistiu fortemente no fato, das Escrituras serem interpretadas dentro da Igreja e para a Igreja.

Os Santos Padres, não ensinaram a suficiência absoluta das escrituras, mas sim sua suficiência material e formal. Quando Santo Agostinho, Santo Atanásio ou qualquer outro afirma a suficiência das Escrituras, sua autoridade para resolver disputas, não estão de forma alguma pretendendo “absolutizar” as Escrituras como única e imediata regra de fé do cristão, mas sim se referindo a elas como forma mediata da fé. É absurdo, anacrônico, um protestante interpretar estas afirmações dos Pais, tendo em unicamente em vista a doutrina protestante desenvolvida apenas no século XVI.

Dessa forma alguns fazem uma leitura viciada dos Santos Padres, citam Santo Irineu, mas ignoram o fato do mesmo ter afirmado:

"Quando, contudo, eles foram refutados pelas Escrituras, voltaram atrás e acusaram essas mesmas Escrituras, como se elas não fossem corretas, nem tivessem autoridade, e afirmaram que elas são ambíguas, e que a verdade não pode ser retirada delas por aqueles que não conhecem a tradição... Aconteceu, portanto, que aqueles homens agora nem concordam com as Escrituras nem com a tradição" (Contra as Heresias III,2,1).

"Suponhamos que se levante uma questão sobre algum importante ponto entre nós, e não possamos recorrer às mais primitivas comunidades com as quais os apóstolos mantiveram constante relacionamento, as quais aprenderam deles o que é certo e claro a respeito dessa questão. O que aconteceria se os próprios apóstolos não nos tivessem deixado escritos? Não seria necessário (nesse caso) seguir o curso da tradição que transmitiram àqueles aos quais entregaram às Igrejas?"

Afirma também Tertuliano:

"Erros de doutrina nas comunidades eclesiais devem ter surgido necessariamente sobre vários assuntos. Quando, contudo, se encontrava de forma unânime e igual aquela doutrina que fora passado a muitos, não era resultado de um erro, mas da tradição. Pode alguém, então, ser tão irresponsável que diga que aqueles que receberam a tradição estavam em erro?" (Prescrição contra os Hereges, 28)

Segundo Tertuliano claro nesta passagem, que Tradição da Igreja, é critério e fonte de fé, na resolução de disputas.  Ao coro de vozes junta-se a de São Gregorio de Nissa, que confirma mais uma vez:

"Pois é suficiente para provar nossa afirmação de que a Tradição veio até nós por nossos pais, transmitida como uma herança, por sucessão dos apóstolos e dos santos que os sucederam. Aqueles, por outro lado, que mudaram suas doutrinas com novidades, necessitariam do suporte de abundantes argumentos, se quisessem mostrar seus pontos de vista, não à luz de homens controversos e instáveis, mas de homens de peso e firmeza. Mas já que suas posições se apresentam sem fundamentos e sem provas, quem é tão louco e tão ignorante para considerar os ensinamentos dos evangelistas e apóstolos, e daqueles que sucessivamente brilharam como luzes nas igrejas de menos força do que tais coisas sem sentido e sem provas?" (Contra Eunômio, 4,6)

O irmão de São Gregorio de Nissa, São Basilio Magno, acompanha o irmão nesta verdade tão cristalina da fé cristã:

"Sobre os dogmas e querigmas preservados pela Igreja, alguns de nós possuímos ensinamento escrito e outros recebemos da tradição dos Apóstolos, transmitidos pelo mistério. Com respeito à observância, ambos são da mesma força. Ninguém que seja versado mesmo um pouco no proceder eclesiástico, deverá contradizer qualquer um deles, em nada. Na verdade, se tentarmos rejeitar os costumes não escritos como não tendo grande autoridade, estaríamos inconscientemente danificando os Evangelhos em seus pontos vitais; ou, mais ainda, estaríamos reduzindo o querigma a uma única expressão" (O Espírito Santo, 27,36).

Tomar citações de determinados Padres isoladamente, fora da mente dos próprios, fora da mente da Igreja é cometer um gravíssimo erro. Os Santos Padres, individualmente, não são infalíveis, mas seus apelos são dignos de fé quando ecoam no ensinamento Universal da Igreja. É o chamado Consensus Patrum. A Tradição Apostólica, não é apenas uma memoria histórica, e seu verdadeiro sentido, NÃO PODE simplesmente ser estabelecido unicamente por meio de uma pesquisa histórica. Quem percorre esse caminho, normalmente cai nos mais diversos tipos de erros gravíssimos.

Com isso fica claro, que Irineu, não pensavam em uma leitura das Escrituras que ignorasse o Kerigma Ekklisiastikon, a Tradição da Igreja, mas sim tinha vista uma leituras das Escrituras na Igreja e pela Igreja, levando em conta essa mesma Tradição como fonte da fé, que poderia sozinha suprir a Igreja caso a Providencia Divina não legasse as Escrituras como um auxilio. Ignoram o simples fato, que aquilo que anima a Igreja, que guia sua ação no mundo, não são as Escrituras em si, mas o Espirito Santo, o Paraclito prometido por Cristo, que ensina e desenvolve a Palavra de Deus por meio do Magistério da Igreja.

É simplesmente impossível, contar unicamente com as Escrituras, na solução de TODAS as questões de cunho dogmático. Bom seria, se no mundo dos fatos, ler as escrituras fosse suficiente para depreender o verdadeiro  sentido delas, mesmo quando desconexas Kerigma cristão, da Tradição da Igreja. Não haveria nenhuma seita dita cristãs para dizer toda a espécie de heresias e blasfêmias  (coisa corrente desde o primeiros séculos do cristianismo). Tolice seria condenar o papel da Tradição no desenvolvimento dogmático e exposição da verdade Cristã. Insanidade maior e hipocrisia, seria negar validade do Magistério no desenvolvimento dogmático de determinado dado revelado, tanto na Tradição quanto nas Escrituras.

A história da Igreja testifica o papel fundamental que a Tradição Apostólica, teve na exposição de uma doutrina cristã verdadeiramente ortodoxa de acordo com a Revelação, a Fé dos Apóstolos.

No passado os arianos, como todos os demais grupos dissidentes, preparam um incrível rol de estudos e citações das Escrituras, para combater a ortodoxia dos Padres. Desejam prender o debate no campo das Escrituras, somente. Não estavam preocupados com o contexto das citações, na Revelação como um todo.

Santo Atanásio (citado equivocamente por alguns hereges protestantes), pelo contrario, apelava para a Mente da Igreja, para o Escopo da Fé, como regra interpretativa das Escrituras.
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