segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A Transfiguração do Senhor na tradição bizantina



Manuel Nin
Hoje a natureza humana
readquire a sua antiga beleza

A festa da Transfiguração é uma das doze grandes festividades do calendário bizantino, com uma festa vespertina a 5 de Agosto e uma oitava que se conclui no dia 13. Já a partir do belíssimo mosaico do século VI no mosteiro de Santa Catarina do Sinai, a iconografia retoma a narração evangélica com o Senhor  no centro, coberto de luz, Moisés e Elias dos lados e em baixo os três  discípulos: Pedro, Tiago e João que  quase não ousam  olhar a luz deslumbrante.

Num tropário a celebração faz quase uma paráfrase do ícone, como se o hinógrafo a lesse: «O mistério escondido pela eternidade nos últimos tempos foi manifestado a Pedro, João e Tiago pela tua formidável transfiguração. Eles, não suportando o fulgor da tua face e o esplendor das tuas vestes, oprimidos permaneceram curvos com o rosto no chão; na sua êxtase  assustavam-se ao ver Moisés e Elias que falavam contigo do que te aconteceria. Uma voz  do Pai dava testemunho, dizendo: Este é o meu Filho muito amado, no qual pus todo o meu agrado: escutai-o, ele doará ao mundo a grande misericórdia».

A liturgia liga estreitamente o mistério da transfiguração de Cristo à sua paixão: a subida ao Tabor e ao Calvário, onde a presença admirada  dos discípulos  na hora da transfiguração desaparece no momento da paixão: «Antes que subisses à cruz, Senhor, um monte representou o céu, e uma nuvem elevou-o como tenda. Enquanto tu te transfiguravas e recebias o testemunho do Pai, estavam contigo Pedro, Tiago e João para que, devendo estar contigo também na hora da traição, graças à contemplação das tuas maravilhas não temessem diante dos teus sofrimentos. Antes da tua cruz, ó Senhor, chamando para junto de ti os discípulos para subir a um monte alto, diante deles  transfiguraste-te, iluminando-os com raios de poder, querendo mostrar-lhes a maravilha da ressurreição».

Um dos tropários das vésperas aproxima paixão e ressurreição, pondo lado a lado a presença  da luz cintilante, os anjos, o tremor da terra diante do Senhor transfigurado e ressuscitado: «Prefigurando a tua ressurreição, ó Cristo Deus, tomaste contigo os teus três discípulos Pedro, Tiago e João para subir ao Tabor. Enquanto te transfiguravas, ó Salvador, o monte Tabor cobria-se de luz. Os teus discípulos, ó Verbo, lançaram-se ao chão, não suportando a visão da forma que não é dado contemplar. Os anjos prestavam o seu serviço com temor e tremor; estremeceram os céus e a terra tremeu, porque sobre a terra viam o Senhor da glória».

A presença de Moisés e Elias expressa a ligação à teofania no Sinai: «Aquele que outrora, mediante símbolos, falou com Moisés no monte Sinai, dizendo: Eu sou Aquele que é, transfigurado hoje sobre o monte Tabor na presença dos discípulos, demonstrou como nele a natureza humana readquire a beleza arquétipa da imagem.  Tomando como testemunhas de uma tal graça Moisés e Elias, tornou-os partícipes da sua alegria, enquanto eles prenunciavam o seu êxodo através da cruz e da ressurreição salvífica».
Três textos veterotestamentários estão presentes como fio condutor. O primeiro relaciona-se   a Moisés: «Aquele que outrora falou com Moisés no monte Sinai hoje transfigurado no monte Tabor».  O segundo (2 Rs 2) a Elias: «Moisés o clarividente e Elias, o cocheiro de fogo, que sem arder  percorreu os céus, vendo-te na nuvem no momento da transfiguração, garantiram que tu és, ó Cristo, o autor da Lei e dos Profetas e aquele que os leva ao cumprimento». O terceiro (Sl 88, 12-13) a David: «Prevendo em Espírito a tua vinda entre os homens, na carne, ó Filho Unigénito, já David convidava a criação à festa, exclamando profeticamente: o Tabor e o Hermon exultarão no teu nome».

A beleza e a glória de Cristo transfigurado manifestam também a beleza e a glória da natureza humana renovada: «Hoje o Senhor no monte Tabor, na presença dos discípulos, demonstrou como nele a natureza humana readquire a beleza arquétipa da imagem. De facto, subiste a este monte, ó Salvador, juntamente com os teus discípulos, transfigurando-te tornaste  novamente radiosa a natureza outrora obscurecida em Adão, fazendo-a passar para a  glória e o esplendor da tua divindade». Enfim, o cânone  matutino, obra de são João Damasceno, aproxima a teofania no Sinai à do Tabor: «A glória que outrora obscurecia a tenda e falava com Moisés teu servo era figura da tua transfiguração. Tu que és o Deus Verbo,  tornaste-te plenamente homem, unindo na tua pessoa a humanidade à plenitude da divindade».

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