sábado, 21 de setembro de 2013

A Morte do Justo


Garrigou-Lagrange, O.P

A morte de Tobias representa, no Antigo Testamento, a morte do justo (Tob., XIV, 10): “À hora da morte, Tobias chamou o filho, as sete filhas, os netos e disse-lhe… ‘Ouvi agora, meus filhos, o vosso pai: servi o Senhor na verdade e esforçai-vos por fazer o que lhe é agradável. Recomendai aos vossos filhos que pratiquem a justiça, dêem esmolas, se lembrem de Deus e o bendigam sempre, na verdade e com todas as suas forças’”.


No livro do Eclesiástico (XXXIII, 7, 15) diz-se que o justo não se escandaliza com a desigualdade das condições e é sobretudo à hora da morte que a sua opinião a este respeito é mais sensata. “Por que há pobres e ricos, desafortunados e afortunados?” O Eclesiástico responde: “Porque motivo um dia (de sol) triunfa de outro dia (de chuva), e a luz de todos os dias vem do sol? Foi a sabedoria do Senhor que estabeleceu entre eles estas diferenças e criou as diversas estações. Há dias que o Senhor elevou e santificou – são os dias de festa – e há dias que Ele colocou entre os dias ordinários. Na mesma ordem de idéias, todos os homens descendem do barro da terra com que Adão foi plasmado. O Senhor, porém, pela grandeza da sua sabedoria, diferenciou-os e fez com que seguissem caminhos diferentes. Abençoou uns e elevou-os. A outros permitiu, tolerou os seus pecados e depois abateu-os”. Dá a cada um segundo as suas obras. O justo vê tudo isto, sobretudo no momento da morte.

Diz-se no mesmo livro do Eclesiástico (XXXV, 11-17) que Deus atende a oração do pobre, sobretudo quando moribundo, e pune os corações sem piedade. “O Senhor não fará distinção de pessoas em detrimento do pobre. Ouve a oração do oprimido e da viúva. A prece do oprimido chega até às nuvens. O Senhor não faz esperar os seus auxílios”. Isto verificou-se, sobretudo, na morte do justo, por mais pobre e abandonado que ele tenha sido. Deus estará com ele à última hora. Estes pensamentos elevados aparecem constantemente no Antigo e mais ainda no Novo Testamento, que abertamente considera a morte do justo como o prelúdio da vida eterna.

Foi-nos dado observar a morte do justo num pobre homem, José de Estengo, que habitava com os seus num oitavo andar perto do Campo Santo de Roma. Os braços e pernas eram uma gangrena, sofria imenso, sobretudo por causa do frio, quando os nervos, na iminência da morte, todos se contorciam. Nunca se queixava e oferecia todos estes sofrimentos ao Senhor pela salvação das almas, pelos seus e pela conversão dos pecadores. Foi atingido pela tuberculose e teve de ser transferido para o hospital do Litorio, no outro extremo de Roma. Morreu lá cerca de três semanas depois, no mais perfeito abandono.

Ora, precisamente no momento em que morria, o velho pai, muito bom cristão, ouvia no outro extremo da cidade a voz do filho que lhe dizia: “Pai, vou para o céu”. E a boa mãe dele sonhava que o filho subia ao céu, curado de pés e mãos, como acontecera após a ressurreição dos mortos.


Ter conhecido este pobre foi uma das grandes graças que obtive na vida. Indicou-me uma senhora da conferência de São Vicente de Paula: “Gostará de o conhecer”. Era, verdadeiramente, um amigo de Deus. A morte só o veio confirmar. Foi a autêntica morte do justo. Felizes os que morrem no Senhor. Ou, como diz a Escritura, “os que saboreiam a morte como um prelúdio da vida eterna“.

(O Homem e a Eternidade, 1958, pag. 70-72)

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