A Infalibilidade da Igreja na Canonização
dos Santos
Muitos se perguntam como as canonizações podem ser infalíveis
se as mesmas executam um juízo não relacionado direta e explicitamente a Revelação.
Antes da prova dessa verdade - a infalibilidade da
Igreja na canonização dos santos - cabe explicar que a Infalibilidade da
Igreja, pode ser vista em duplo aspecto quanto ao seu objeto.
I – Objeto primário e secundário da Infalibilidade
1 - Sobre o objeto primário - tudo
aquilo contido explicitamente na
Revelação de acordo com o Magistério, isto é, o Depósito da Fé confiado por
Cristo a sua Esposa, para esta ser sua guardiã e mestra infalível.
2 - Sobre o objeto secundário - aquelas
verdades ou proposições da Igreja, que não estão explicitamente claras na
Revelação, mas sim implicitamente conexas
a ela e cuja conservação se faz necessária para a defesa e entendimento da
própria verdade revelada.
O Concílio Vaticano I em sua Constituição Dogmática
Pastor Aeternus, quando definiu a Infalibilidade do Papa, deixou claro qual
é o âmbito da Infalibilidade da Igreja e seu objeto:
“O Romano
Pontífice, quando fala ex cathedra - isto é, quando, no desempenho do múnus de
pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade
apostólica que determinada doutrina referente à fé e à moral deve ser
sustentada por toda a Igreja -, em virtude da assistência divina prometida a
ele na pessoa do bem-aventurado Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual o
Redentor quis estivesse munida a sua Igreja quando deve definir alguma
doutrina referente à fé e aos costumes; e que, portanto, tais declarações do
Romano Pontífice são, por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da
Igreja, irreformáveis”. – Pastor Aeternus
Desta forma o âmbito da infalibilidade do Papa se
estende as doutrina definidas relacionadas fé e a moral, que devem ser
sustentadas (tenenda), por todos os fiéis.
Por esta definição se conclui que o Papa não é
apenas infalível quando define doutrina a ser crida com fé divina e católica,
ou seja, relacionada ao objeto primário da infalibilidade, com efeito esta infalibilidade é verdadeiramente mais ampla, envolvendo o objeto primário (verdades presentes
explícitas da Revelação) e também o objeto secundário da infalibilidade (as
verdades implícitas na Revelação ou conexas a ela). Por consequência o Papa não é
apenas infalível quando define doutrina a ser crida com fé divina (fide divina
credenda), mas quando define doutrina a ser sustentada ou aceita (tenenda),
constituindo assim uma natureza abrangente da infalibilidade às coisas
atinentes a fé e a moral in totum.
Isto posto a Igreja ao utilizar a palavra sustentar
(tenenda) pretendeu garantir uma adesão ampla àquilo que o Magistério
propõe com juízo definitivo e para que tal adesão, não fosse entendida erroneamente
e ficasse restrita ao equivoco de aceitar apenas as verdades explicitamente
presentes no Depósito, ignorando assim aquelas verdades conexas a Revelação e
necessárias a defesa da Verdade.
.
Sobre uma definição infalível (seja quanto ao
objeto primário ou secundário), urge cuidado para não confundir o grau de
adesão devido a cada um desses atos.
II - Adesão
(a) - Fé Divina - com o qual devem ser cridas
aquelas verdades explicitamente contidas na Revelação e propostas pelo Magistério.
“Deve ser
crido com fé divina e católica tudo o que está contido na palavra de Deus, quer
escrita ou transmitida, e que a Igreja, quer com juízo solene ou com seu
magistério ordinário e universal, propõe a ser crido como divinamente
revelado.” - Constituição Dei Filius
Essa fé se assenta na autoridade de Deus Revelador,
que não pode se enganar, nem nos enganar.
(b) - Fé Eclesiástica - com o qual
devem ser cridas aquelas verdades propostas pelo Magistério, mas que não estão explicitamente presentes no Depósito, embora sejam conexas a ele.
Essa fé não se assenta diretamente na autoridade de
Deus, mas sim, na autoridade da Igreja de Cristo assistida por
Deus.
Embora a certeza da fé eclesiástica seja
inferior a fé divina, isto se deve apenas no aspecto positivo do grau dessa
certeza (fé divina = autoridade de Deus; fé eclesiástica = autoridade da Igreja
assistida por Deus), mas não no aspecto negativo, sua inerrância.
Quando falamos de fé eclesiástica ou divina,
logicamente estamos falando de duas coisas indissociáveis:
1 - um ato de adesão quando exigido pela Igreja, em sua natureza, não
comporta recusa ou dúvida.
2 – a definição de algo por parte da Igreja exigindo a aceitação dos fiéis,
envolve sempre sua infalibilidade (ao menos na modalidade de "infalibilidade negativa" quanto a fé eclesiástica).
Obviamente nenhuma das duas (a fé divina e
eclesiástica) se confundem com o assentimento religioso (ou piedoso), que é
aquele que existe mesmo havendo dúvida quanto a matéria e se caracteriza pelo assentimento
interno da vontade e da inteligência à autoridade da Igreja quando propõe
alguma doutrina por meio do Magistério meramente autêntico (que não tem
intenção de ser definitivo).
III - Infalibilidade das Canonizações
Por todas as suas caraterística os Teólogos
colocam ato da Canonização dos Santos como parte integrante do objeto
secundário da infalibilidade da Igreja, pois, não é diretamente relacionada a
Revelação em si mesma, mas está necessariamente conexa a qualidades da mesma ou sua própria confissão, sendo assim, por
sua natureza infalível. Conclui-se que devemos crer nas canonizações com fé
eclesiástica, sendo elas parte integrante do objeto secundário da
Infalibilidade, não podendo obviamente ter sua inerrância contestada.
Tal fato é teologicamente certo, sendo professado por Santo Tomás de Aquino, entre outros doutores. Após dizer que a Igreja nunca erra em matéria de fé e moral, mas pode-se se enganar sobre outras matérias devido ao falso testemunho dos homens, Santo Tomás embora admita que a canonização está entre a infalibilidade relacionada fé e moral e uma inquirição sobre fatos humanos, faz questões de afastar as canonizações da falibilidade envolvida no segundo caso, dizendo que:
“A canonização dos santos está entre
as duas. Porque a honra que prestamos aos santos é uma certa profissão de fé
pela qual cremos na glória dos santos, deve-se crer com piedade que também
nessa matéria o juízo da Igreja não pode ser falso. Em primeiro dizemos que o
Pontífice, a quem cabe a canonização dos santos, pode ter certeza disso, por
pesquisar a vida e comprovação de milagres; e especialmente pela
moção do Espírito Santo, que tudo perscruta, até as profundezas em Deus.
Em segundo deve-se dizer que a Providencia Divina preserva a Igreja em tais
questões do testemunho falível dos homens”. (Quodlibet, IX,16)
Portanto é impossível para Santo Tomás que a Igreja se engane em tal matéria.
São desta
opinião, entre muitos outros como Ludwig Ott e Van Noort respectivamente:
“O objeto secundário da
infalibilidade pertence: a) as conclusões teológicas de uma
verdade revelada formalmente e uma verdade da razão natural b) os
fatos históricos cujo reconhecimento depende da certeza de uma verdade
revelada (“facta dogmática”), b) as verdades da razão
natural, que estão em estreita ligação com as verdades reveladas (ver
mais detalhes na Introdução, § 6), d) a canonização dos santos, isto é, o julgamento final de um membro da
Igreja que foi recebido na bem-aventurança eterna e deve ser
objecto de veneração pública. O culto dado aos santos, como São
Tomás nos ensina, é “uma certa confissão de fé que
acreditam na glória dos santos” (Quodl. 9,16). Se a Igreja poderia errar em
seus julgamentos, então tais conseqüências da falha resultaria incompatíveis
com a santidade da Igreja”. (Ludwig Ott,
Manual de Teologia Dogmática, Editorial Herder, Barcelona 1966, pág. 450-451)
Mons. Van Noort:
“2.
Pela finalidade da infalibilidade.
A Igreja é infalível, a fim de que ela possa ser mestra digna da confiança da
religião cristã e do modo de vida cristão. Mas ela não seria tal, se pudesse
errar na canonização dos santos. Não ficaria maculada a religião, se uma pessoa
no inferno fosse, por um decreto definitivo, apresentada a todos como objeto de
veneração religiosa? Não ficaria a lei moral, no mínimo, enfraquecida em certa
medida, se um protégé do
diabo pudesse ser irrevogavelmente estabelecido como modelo de virtude para
todos imitarem e para todos invocarem?” (De
Ecclesia Christi, cap. III, Art. I)
É certo que um decreto de canonização não só
envolve a infalibilidade em seu aspecto positivo (o fato da glória de um servo
um Deus), mas também evoca a infalibilidade negativa da Igreja, pois é
impossível que a Igreja permita um culto a iniquidade, em prejuízo a fé e a salvação
dos fiéis.
“[É] de fé
que a Igreja só pode mostrar um caminho de vida conforme ao Evangelho; donde
concluímos, aplicando: impossível que uma lei disciplinar universal, uma regra
religiosa definitivamente aprovada, contrariem o Evangelho. Impossível também
que um santo canonizado não tenha vivido cristãmente.” (Mons. Dr. Maurílio
Teixeira-Leite PENIDO, Iniciação
Teológica – vol. I: O Mistério da Igreja, 2.ª ed., Petrópolis:
Vozes, 1956, p. 291).
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