sábado, 9 de maio de 2015

A Infalibilidade das Canonizações


A Infalibilidade da Igreja na Canonização dos Santos

Muitos se perguntam como as canonizações podem ser infalíveis se as mesmas executam um juízo não relacionado direta e explicitamente a Revelação.

Antes da prova dessa verdade - a infalibilidade da Igreja na canonização dos santos - cabe explicar que a Infalibilidade da Igreja, pode ser vista em duplo aspecto quanto ao seu objeto.



I – Objeto primário e secundário da Infalibilidade

1 - Sobre o objeto primário - tudo aquilo contido explicitamente na Revelação de acordo com o Magistério, isto é, o Depósito da Fé confiado por Cristo a sua Esposa, para esta ser sua guardiã e mestra infalível. 

2 - Sobre o objeto secundário - aquelas verdades ou proposições da Igreja, que não estão explicitamente claras na Revelação, mas sim implicitamente conexas a ela e cuja conservação se faz necessária para a defesa e entendimento da própria verdade revelada.

O Concílio Vaticano I em sua Constituição Dogmática Pastor Aeternus, quando definiu a Infalibilidade do Papa, deixou claro qual é o âmbito da Infalibilidade da Igreja e seu objeto:

“O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra - isto é, quando, no desempenho do múnus de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica que determinada doutrina referente à fé e à moral deve ser sustentada por toda a Igreja -, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa do bem-aventurado Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual o Redentor quis estivesse munida a sua Igreja quando deve definir alguma doutrina referente à fé e aos costumes; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são, por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis”. – Pastor Aeternus

Desta forma o âmbito da infalibilidade do Papa se estende as doutrina definidas relacionadas fé e a moral, que devem ser sustentadas (tenenda), por todos os fiéis.

Por esta definição se conclui que o Papa não é apenas infalível quando define doutrina a ser crida com fé divina e católica, ou seja, relacionada ao objeto primário da infalibilidade, com efeito  esta infalibilidade é verdadeiramente mais ampla, envolvendo o objeto primário (verdades presentes explícitas da Revelação) e também o objeto secundário da infalibilidade (as verdades implícitas na Revelação ou conexas a ela).  Por consequência o Papa não é apenas infalível quando define doutrina a ser crida com fé divina (fide divina credenda), mas quando define doutrina a ser sustentada ou aceita (tenenda), constituindo assim uma natureza abrangente da infalibilidade às coisas atinentes a fé e a moral in totum.

Isto posto a Igreja ao utilizar a palavra sustentar (tenenda) pretendeu garantir uma adesão ampla àquilo que o Magistério propõe com juízo definitivo e para que tal adesão, não fosse entendida erroneamente e ficasse restrita ao equivoco de aceitar apenas as verdades explicitamente presentes no Depósito, ignorando assim aquelas verdades conexas a Revelação e necessárias a defesa da Verdade. 
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Sobre uma definição infalível (seja quanto ao objeto primário ou secundário), urge cuidado para não confundir o grau de adesão devido a cada um desses atos.

II - Adesão

(a) - Fé Divina - com o qual devem ser cridas aquelas verdades explicitamente contidas na Revelação e propostas pelo Magistério.

“Deve ser crido com fé divina e católica tudo o que está contido na palavra de Deus, quer escrita ou transmitida, e que a Igreja, quer com juízo solene ou com seu magistério ordinário e universal, propõe a ser crido como divinamente revelado.” - Constituição Dei Filius

Essa fé se assenta na autoridade de Deus Revelador, que não pode se enganar, nem nos enganar. 

(b) - Fé Eclesiástica - com o qual devem ser cridas aquelas verdades propostas pelo Magistério, mas que não estão explicitamente presentes no Depósito, embora sejam conexas a ele. 

Essa fé não se assenta diretamente na autoridade de Deus, mas sim, na autoridade da Igreja de Cristo assistida por Deus. 

Embora a certeza da fé eclesiástica seja inferior a fé divina, isto se deve apenas no aspecto positivo do grau dessa certeza (fé divina = autoridade de Deus; fé eclesiástica = autoridade da Igreja assistida por Deus), mas não no aspecto negativo, sua inerrância. 

Quando falamos de fé eclesiástica ou divina, logicamente estamos falando de duas coisas indissociáveis: 

1 - um ato de adesão quando exigido pela Igreja, em sua natureza, não comporta recusa ou dúvida.

2 – a definição de algo por parte da Igreja exigindo a aceitação dos fiéis, envolve sempre sua infalibilidade (ao menos na modalidade de "infalibilidade negativa" quanto a fé eclesiástica). 

Obviamente nenhuma das duas (a fé divina e eclesiástica) se confundem com o assentimento religioso (ou piedoso), que é aquele que existe mesmo havendo dúvida quanto a matéria e se caracteriza pelo assentimento interno da vontade e da inteligência à autoridade da Igreja quando propõe alguma doutrina por meio do Magistério meramente autêntico (que não tem intenção de ser definitivo).

III - Infalibilidade das Canonizações 

Por todas as suas caraterística os Teólogos colocam ato da Canonização dos Santos como parte integrante do objeto secundário da infalibilidade da Igreja, pois, não é diretamente relacionada a Revelação em si mesma, mas está necessariamente conexa a qualidades da mesma ou sua própria confissão, sendo assim, por sua natureza infalível. Conclui-se que devemos crer nas canonizações com fé eclesiástica, sendo elas parte integrante do objeto secundário da Infalibilidade, não podendo obviamente ter sua inerrância contestada. 

Tal fato é teologicamente certo, sendo professado por Santo Tomás de Aquino, entre outros doutores. Após dizer que a Igreja nunca erra em matéria de fé e moral, mas pode-se se enganar sobre outras matérias devido ao falso testemunho dos homens, Santo Tomás embora admita que a canonização está entre a infalibilidade relacionada fé e moral e uma inquirição sobre fatos humanos,  faz questões de afastar as canonizações da falibilidade envolvida no segundo caso, dizendo que: 

“A canonização dos santos está entre as duas. Porque a honra que prestamos aos santos é uma certa profissão de fé pela qual cremos na glória dos santos, deve-se crer com piedade que também nessa matéria o juízo da Igreja não pode ser falso. Em primeiro dizemos que o Pontífice, a quem cabe a canonização dos santos, pode ter certeza disso, por pesquisar a vida e comprovação de milagres; e especialmente pela moção do Espírito Santo, que tudo perscruta, até as profundezas em Deus. Em segundo deve-se dizer que a Providencia Divina preserva a Igreja em tais questões do testemunho falível dos homens”. (Quodlibet, IX,16)

Portanto é impossível para Santo Tomás que a Igreja se engane em tal matéria.

São desta opinião, entre muitos outros como Ludwig Ott e Van Noort respectivamente:

“O objeto secundário da infalibilidade pertence: a) as conclusões teológicas de uma verdade revelada formalmente e uma verdade da razão natural b) os fatos históricos cujo reconhecimento depende da certeza de uma verdade revelada (“facta dogmática”), b) as verdades da razão natural, que estão em estreita ligação com as verdades reveladas (ver mais detalhes na Introdução, § 6), d) a canonização dos santos, isto é, o julgamento final de um membro da Igreja que foi recebido na bem-aventurança eterna e deve ser objecto de veneração pública.  O culto dado aos santos, como São Tomás nos ensina, é “uma certa confissão de fé que acreditam na glória dos santos” (Quodl. 9,16). Se a Igreja poderia errar em seus julgamentos, então tais conseqüências da falha resultaria incompatíveis com a santidade da Igreja”. (Ludwig Ott, Manual de Teologia Dogmática, Editorial Herder, Barcelona 1966, pág. 450-451)

Mons. Van Noort: 

“2. Pela finalidade da infalibilidade. A Igreja é infalível, a fim de que ela possa ser mestra digna da confiança da religião cristã e do modo de vida cristão. Mas ela não seria tal, se pudesse errar na canonização dos santos. Não ficaria maculada a religião, se uma pessoa no inferno fosse, por um decreto definitivo, apresentada a todos como objeto de veneração religiosa? Não ficaria a lei moral, no mínimo, enfraquecida em certa medida, se um protégé do diabo pudesse ser irrevogavelmente estabelecido como modelo de virtude para todos imitarem e para todos invocarem?” (De Ecclesia Christi, cap. III, Art. I)

É certo que um decreto de canonização não só envolve a infalibilidade em seu aspecto positivo (o fato da glória de um servo um Deus), mas também evoca a infalibilidade negativa da Igreja, pois é impossível que a Igreja permita um culto a iniquidade, em prejuízo a fé e a salvação dos fiéis. 

“[É] de fé que a Igreja só pode mostrar um caminho de vida conforme ao Evangelho; donde concluímos, aplicando: impossível que uma lei disciplinar universal, uma regra religiosa definitivamente aprovada, contrariem o Evangelho. Impossível também que um santo canonizado não tenha vivido cristãmente.” (Mons. Dr. Maurílio Teixeira-Leite PENIDO, Iniciação Teológica – vol. I: O Mistério da Igreja, 2.ª ed., Petrópolis: Vozes, 1956, p. 291).

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