Continuar difundindo a lenda nascida em 1963,
contra a verdade histórica, constitui uma mentira e uma difamação; não presta
nenhum serviço aos judeus, nem à verdade, nem à história.
“se o Papa tivesse sido mais explícito, Hitler sem
dúvida teria massacrado muito mais que 6 milhões de judeus e talvez 10 milhões
de católicos” (Grão-Rabino da Dinamarca, sobrevivente do Holocausto)
Pio XII percebeu rapidamente que os protestos
contra o nazismo comportariam graves repercussões para as populações e poderiam
se revelar como denúncias contraproducentes para os judeus.
Na Holanda, por exemplo,
quando o então bispo de Utrecht protestou contra o nazismo, a repressão foi
imediata e terrível. Após a carta dos bispos dos Países Baixos condenando “o
trato injusto e sem misericórdia reservado aos judeus”, lido nas igrejas em
julho de 1942, os nazistas deportaram multidões de judeus e de cristãos, entre
eles Edith Stein. A Holanda ostenta, devido a estes protestos, o triste recorde
de exterminação da comunidade judaica (85%).
Na Polônia, o arcebispo
Sapiéha, de Cracóvia, e outros dois bispos poloneses pediram ao Papa que não
publicasse a carta sobre o que estava acontecendo na Polônia, dada a ferocidade
das represálias.
Todos os bispos alemães
também dissuadiram o Papa de falar fortemente. Hitler vigiava estreitamente a
Igreja.
O próprio Papa confiou aos
seus emissários a tarefa de percorrer a Europa para recolher informações sobre
as perseguições: “Digam-lhes que o Papa sofre com eles, sofre com os
perseguidos (…). Se, neste momento, não levanta mais a voz, é para não causar
males piores” (cf. Atas e documentos da Santa Sé relativos à 2ª Guerra Mundial:
20 volumes recolhidos durante 15 anos por três jesuítas).
Robert Kempner, magistrado
judeu de origem alemã, procurador adjunto no processo de Nuremberg, escreveu
sobre o tema em 1964: “Qualquer posicionamento com caráter propagandístico da
Igreja contra o governo de Hitler não teria sido somente um suicídio
premeditado, mas teria acelerado o assassinato de um número muito maior de
judeus e de sacerdotes”.
Sobrevivente do Holocausto,
o Grão-Rabino da Dinamarca explicou que, “se o Papa tivesse sido mais
explícito, Hitler sem dúvida teria massacrado muito mais que 6 milhões de
judeus e talvez 10 milhões de católicos”.
De fato, uma proporção
muito elevada do clero europeu foi assassinada nos campos de concentração.
O Papa então pôs em marcha
uma política de ações secretas, contribuindo para salvar, na Itália e no mundo
inteiro, milhares de judeus. Esta política eficaz de ações secretas se inscreve
na continuidade da sua ação pessoal em seus inícios como sacerdote, depois como
núncio e finalmente como papa.
Em sua juventude, um dos
grandes amigos do jovem Pacelli, Guido Mendez, era judeu. Haviam celebrado
juntos o Shabbat e Mendez ensinou hebraico ao futuro papa. Pio XII o ajudou a
escapar para a Palestina no começo da guerra.
Desempenhou o cargo de
núncio apostólico na Alemanha, de 1917 a 1929, primeiro em Munique e depois em
Berlim. Dos 44 discursos pronunciados durante esses 12 anos, 40 denunciam um
aspecto ou outro da ideologia nazista.
Em 1917, interveio para
proteger os judeus da Palestina contra os Turcos Otomanos.
Em 1926, ajudou o chefe da
organização sionista mundial a reunir-se com as autoridades do Vaticano para
promover um lar judaico na Palestina.
Em julho de 1933, foi o
protagonista de uma concordata com o Reich de Hitler, para proteger um mínimo
de instituições e de liberdades a favor dos católicos alemães, e para dar uma
base jurídica a eventuais protestos. Assinou-a apesar do seu desgosto pelo comportamento
iníquo do governo alemão, que pressionou para prender mais de 90 sacerdotes e
para fechar 9 jornais católicos.
Em março de 1935, em uma
carta aberta ao bispo de Colônia, refere-se aos nazistas como “falsos profetas,
orgulhosos como Lúcifer”. Novamente em 1935, diante de milhares de peregrinos
em Lourdes, supera as ideologias “possuídas pela superstição da raça e do
sangue”. Centenas de documentos confirmando a oposição de Dom Pacelli ao
nazismo podem ser consultados no site da Fundação “Pave the way” (cf. link no
final).
Depois foi secretário de
Estado e trabalhou ativamente (existem rascunhos seus, escritos à mão) para
escrever a grande encíclica de condenação do nazismo, Mit brennender Sorge, que
se difundiu, ocultou e leu inesperadamente em alemão, em 14 de março de 1937,
em todas as igrejas da Alemanha, porque já não existia liberdade de imprensa.
Durante o seu mandato, o
secretário de Estado protestou em 55 cartas oficiais ao governo alemão.
Ribbentrop e Steengracht, ministro e subsecretário de Assuntos Exteriores do
III Reich, declararam em Nuremberg: “Tínhamos gavetas cheias dos protestos do
Vaticano”.
Convertido em papa em 2 de
março de 1939, foi dos primeiros em falar, em sua rádio-mensagem de Natal de
1942, de “centenas de milhares de pessoas que, sem falta alguma da sua parte, e
às vezes pelo simples fato de sua nacionalidade ou de sua raça, são entregues à
morte ou a um progressivo extermínio”.
Sua primeira encíclica como
papa, Summi pontificatus, de 1939, era tão claramente antirracista, que os
aviões aliados lançaram milhares de cópias na Alemanha.
Quando, em 20 de setembro
de 1943, os alemães, que haviam invadido Roma 10 dias antes, exigiram dos
judeus da cidade 50kg de ouro, sob pena de serem deportados, a comunidade
judaica não pôde reunir mais do que 35kg; o grão-rabino de Roma, Israel Zolli,
apelou a Pio XII, quem, sem hesitar, mandou fundir os vasos sagrados das
paróquias de Roma e contribuiu com os 15kg que faltavam.
O Vaticano alugou barcos
especiais para evacuar judeus duas vezes por ano, entre 1939 e 1945, até a
República Dominicana, Canadá, México e Cuba. Como muitas nações não aceitavam
os judeus, foram-lhes proporcionados em Roma certificados falsos de Batismo.
O Papa pessoalmente freou a
deportação de milhares de húngaros, apelando ao regente da Hungria.
Deteve pessoalmente a
deportação de judeus romanos em 16 de outubro de 1943. Em um dia, o Vaticano
conseguiu esconder, alimentar e manter mais de 7 mil judeus, apesar dos fuzis
alemães sob suas janelas. A quase totalidade das basílicas, igrejas, seminários
e conventos albergou e ajudou os judeus. Sor Pascalina Reynart, a secretária de
Pio XII, procurava alimentos para os conventos que escondiam os judeus de Roma,
às vezes nos mosteiros de clausura, o que supunha necessariamente uma dispensa
papal.
Em 1943, 3.500 judeus foram
alojados em Castel Gandolfo e 400 foram inscritos na Guarda Pontifícia – quase
a metade da comunidade judaica de Roma. Cerca de 7 mil judeus de Roma foram
salvos pela Igreja. Durante o processo de Eichmann, de 1961, o Papa foi objeto
de uma sentença que vale a pena reler, por parte de Gideon Hausner, procurador
geral do Estado em Jerusalém: “Em Roma, em 16 de outubro de 1943, organizou-se
um grande arresto no antigo bairro judaico. O clero italiano participou da
operação de salvamento, os mosteiros abriram suas portas aos judeus, o Papa
interveio pessoalmente a favor dos judeus detidos em Roma”.
Quando se entregou ao
cardeal Palazzani a medalha dos justos por ter salvado judeus no seminário de
Roma, este afirmou: “O mérito corresponde inteiramente a Pio XII, que ordenou
fazer todo o possível para salvar os judeus da perseguição”.
Sabe-se também que Pio XII
era regularmente informado sobre as tentativas de assassinato de Hitler, entre
1939 e 1940. Sir d'Arcy Osborne, britânico encarregado de negócios, que estava
em contato com Pio XII sobre este tema, anota em seu diário: “Jamais na
história um papa esteve comprometido de maneira tão delicada em uma conspiração
para derrocar um tirano pela força”.
E depois da guerra, foi
mais uma vez o Papa Pio XII quem decidiu a abstenção do Vaticano, que permitiu
a criação do Estado de Israel na ONU em 1948.
Reconhece-se que a ação da
Igreja salvou mais de meio milhão de judeus e que Pio XII sempre a incentivou.
Ele, somente ele, salvou mais judeus que todos os demais líderes religiosos do
mundo juntos.
Entre 1943 e 1945, em Roma,
o general Karl Wolff ameaçou várias vezes sequestrar e eliminar o Papa,
exterminar toda a cúria, ocupar o Vaticano, enquanto paralelamente afirmava a
Hitler que o Papa cooperava.
O general e chefe nazista
em Roma confirmou estas informações muitas vezes antes da sua morte, e uma
entrevista com ele está disponível no site da Fundação "Pave the
Way". A deportação do Papa deveria ser feita a Lichtenstein, mas o
general, pensando que seria um desastre para a Alemanha, que correria o risco
da deserção dos soldados católicos do exército, garantia constantemente a
Hitler que o Papa cooperava. Os informes que faziam acreditar que o Papa se
inclinava às vezes às posições alemãs, são os únicos documentos que levaram
alguns a pensar em algum tipo de compromisso, mas é preciso analisar o contexto
em que foram escritos.
Pio XII, por sua parte,
esteve permanentemente atormentado pela dramática alternativa em que se encontrava:
agir em tudo o que fosse possível, mas sempre em segredo, mas preservar as
populações, correndo o risco de aparentar que não fazia nada, ou fazer
declarações públicas e ser considerado um herói, mas desatando, com isso, uma
repressão terrível contra uma multidão de inocentes.
O Papa formou um governo no
exílio para proteger-se contra as ameaças nazistas e determinou as disposições
do conclave que elegeria o novo Papa, em um país livre, se ele chegasse a ser
detido.
Depois da guerra, todos os
judeus que haviam vivido de perto os acontecimentos comemoraram com admiração a
política de ação secreta do Papa a favor deles. Mas, em 1963, a peça teatral “O
vigário”, escrita por dois comunistas, com a ajuda de documentos da KGB, para
prejudicar a Igreja, fez nascer uma lenda negra sobre Pio XII, apresentando-o
como indiferente e inclusive hostil à causa dos judeus.
Esta ação da KGB estava
motivada pelo fato de o Papa Pio XII também ser um Papa anticomunista.
Depois dessa data, os
pseudoescândalos se sucederam: a obra de John Cornwell, o filme “Amém”, de
Costa-Gavras, a placa contra Pio XII no Yad Vashem etc. As manipulações, apesar
de serem denunciadas pelos historiadores sérios, continuaram infelizmente sendo
desconhecidas pelo grande público.
Mas antes de 1963, todos os
responsáveis de Israel agradeceram sem cessar ao Papa e elogiaram seus
esforços. Depois da guerra, por exemplo, o ancião cônsul de Israel em Milão,
Pinhas Lapide, declarou: “A Igreja Católica sob o pontificado de Pio XII foi o
instrumento que salvou 700 mil, inclusive provavelmente até 860 mil judeus de
uma morte certa nas mãos dos nazistas. Os números superam muito os das demais
igrejas, instituições religiosas e organizações de socorro juntas” (Three Popes
and the Jews, 1967)
.
Com a morte de Pio XII,
Golda Meir, primeira-ministra de Israel, declarou na ONU, em 1958: “Durante os
10 anos do terror nazista, quando o nosso povo sofreu um espantoso martírio, a
voz do Papa se elevou para condenar os verdugos e para expressar sua compaixão
às vítimas. Perdemos um grande Servidor da Paz”.
Albert Einstein, em 23 de
dezembro de 1940, diria aoTime Magazine: “Somente a Igreja permaneceu em pé e
firme para enfrentar as campanhas de Hitler para suprimir a verdade. Antes, eu
não havia sentido nenhum interesse pessoal pela Igreja, mas agora sinto por ela
grande carinho e admiração, porque somente a Igreja teve a coragem e a
obstinação de sustentar a verdade intelectual e a liberdade moral. Devo
confessar que o que eu antes desprezava agora elogio incondicionalmente”.
De fato, todos os outros
foram covardes ou hostis: o grão-mufti de Jerusalém foi a Berlim para jurar
lealdade a Hitler e uma legião muçulmana combateu ao serviço dos nazistas na
Bósnia, junto ao exército alemão. Roosevelt, Churchill, De Gaulle, Stalin, não
fizeram declaração alguma a favor dos judeus. Os membros da resistência que
explodiram trens em toda a Europa nunca tentaram deter ou sabotar os comboios
de deportados. Os EUA salvaram e acolheram somente 22 mil judeus no total, quando
poderiam ter feito muito mais. No final da guerra, os britânicos rejeitaram os
judeus provenientes dos campos de concentração que queriam entrar na Palestina.
O rabino David Dalin, de
Nova York, fez um precioso estudo histórico em 2001, que concluiu assim: “Pio
XII não foi o Papa de Hitler, longe disso. Ele foi um dos apoios mais firmes da
causa judaica, no momento em que era mais necessário (…). Podemos ler no Talmud
que 'quem salva uma só vida salva a humanidade'. Pio XII, mais que algum outro
homem de Estado do século XX, realizou isso em um momento em que o destino dos
judeus europeus estava ameaçado. Nenhum outro papa foi tão elogiado pelos
judeus antes dele, e não se enganaram. Sua gratidão, assim como a de todos os
sobreviventes do Holocausto, prova que Pio XII foi, verdadeira e profundamente,
um Justo entre as Nações”.
Os pesquisadores, incluindo
os judeus, confirmam a verdade histórica conhecida desde o final da guerra, com
o apoio de inúmeros testemunhos a favor de Pio XII e centenas de documentos. Os
acusadores de Pio XII não puderam identificar nenhuma prova documental contra
ele.
A difamação de Pio XII não
é justa e, paradoxalmente, corre o risco de reforçar as tentações
negacionistas, pois as pessoas, cedo ou tarde, descobrirão a verdade e o sentimento
natural de cólera, mais forte quanto mais fortemente e durante mais tempo tenha
se propagado o erro, provocará inevitavelmente questionamentos que poderiam
afetar injustamente questões históricas muito mais graves.
É por este motivo que,
entre os defensores mais ativos das virtudes heroicas de Pio XII, existem
muitos judeus (é possível ver o caso de Gary Krupp, por exemplo, no site da
Fundação “Pave the Way”).
Os arquivos do Vaticano
foram abertos até 1939 – algumas seções, até 1947 –, a pedido dos detratores de
Pio XII, mas parece que nenhum deles foi consultá-los nos dois últimos anos.
Continuar difundindo a
lenda nascida em 1963, contra a verdade histórica, constitui uma mentira e uma
difamação; não presta nenhum serviço aos judeus, nem à verdade, nem à história.
Pode-se concluir este
artigo com um trecho do livro de Bento XVI, “Luz do Mundo”, no qual ele oferece
uma síntese sobre o tema: Pio XII “fez tudo o que pôde para salvá-los.
Certamente, podemos nos perguntar, novamente: por que ele não protestou de
maneira mais clara? Acho que ele viu as consequências que um protesto aberto
teria acarretado. Pessoalmente, sabemos, ele sofreu muito por estas coisas. Ele
sabia que, na verdade, deveria se pronunciar, mas a situação o impedia. Hoje,
há pessoas que afirmam que, ainda que ele tenha salvado muita gente, tinha
concepções antiquadas sobre os judeus, que não estava à altura do Vaticano II.
Mas esta não é a questão. O decisivo é o que ele fez e tentou fazer; e acho
que, neste ponto, é preciso reconhecer realmente que ele foi um dos grandes
justos, que salvou muitos judeus, a tantos como nenhum outro”.
Fonte: Aleteia.org
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