"Não
cometais injustiça nos vossos julgamentos: não dês vantagem ao fraco e não favoreças
o grande, mas julga com justiça o teu compatriota. Não tenhas nenhum pensamento
de ódio contra o teu irmão, mas não hesites em repreender o teu compatriota,
para não te onerares com um pecado em relação a ele." (Levítico 19, 15-17)
Quando, em 1319, o rei D. Dinis
conseguiu, finalmente, transferir para a Ordem de Cristo todos os bens dos
Templários em Portugal, supôs-se que o monarca estivesse não só preocupado com
o futuro econômico-financeiro dos templários, mas também profundamente
interessado nos conhecimentos empíricos dos seus membros. Séculos de experiência
de navegação, principalmente conduzindo cristãos à Terra Santa, fizeram deles peritos
no uso de instrumentos como o astrolábio e hábeis conhecedores das rotas
marítimas. Tendo dedicado a sua vida a conquista e consolidação do território
português, D. Dinis acalentava o desejo de ampliar o seu império além-mar,
esperando o momento oportuno e os parceiros adequados para serem concretizadas
as suas idéias.
O Infante D. Henrique, quinto
filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, tornou-se administrador e governador
da Ordem de Cristo em 20 de maio de 1420, contando com valiosos recursos para a
concretização de seu sonho ultramarino. D. Henrique era "(...) dado ao
desporto e às artes, seu pai confiou-lhe a organização da frota concentrada no
Porto, com gentes do Norte e da Beira, para a expedição a Ceuta, tendo reunido 70
navios grandes e muitos outros de abordagem. Destacou-se na conquista da cidade
marroquina (1415), onde seu pai o armou cavaleiro com seus dois irmãos mais
velhos. (...) A necessidade de navegar por mares batidos por tempestades e
sulcados por grossas correntes marítimas, que arrastaram até às Canárias navios
encarregados da defesa costeira meridional do País, levou o Infante a iniciar a
exploração dos mares (...).
Para o adestramento técnico dos
seus marinheiros e o arquivamento das experiências e realizações obtidas, D. Henrique
cercou-se de peritos, fundando em Sagres uma autêntica escola náutica, trazendo
a Portugal, entre outros mestres, o célebre cartógrafo Jafuda, ou Jácome de
Malhorca, que com os elementos fornecidos pelos navegantes portugueses elaborou
novas cartas náuticas. Entre os interesses determinantes da sua dedicação às
navegações contavam-se os de ordem religiosa (espírito de cruzada, que lhe
impunha a defesa e propagação da fé cristã), política e econômica".
D. Henrique admirava o espírito
das cruzadas e logo demonstrou forte interesse pela exploração dos mares,
conseguindo influenciar seu pai e seus dois irmãos, os quais também eram entusiastas
da expansão territorial. Apoiado pelo poder papal, empenhou-se na conquista de
novas terras em África, não só para levar a fé cristã aos territórios dos
infiéis, como também garantir os rendimentos das colônias africanas. Assim
sendo, "em 1415, portanto decorridos apenas quatro anos sobre a assinatura
da paz com Castela, o rei de Portugal, à frente de uma enorme expedição militar
(19.000 combatentes, 1.700 marinheiros e 200navios), conquistou a importante cidade
de Ceuta, no Norte de África. Este fato é considerado como o ponto de partida
da política oficial da expansão ultramarina".
Seis anos depois, o Infante D.
Henrique tornou-se Mestre da Ordem de Cristo, e a expansão marítima ganhou novo
alento. Partindo-se do Tejo ou da Escola Náutica, as caravelas cruzavam os
mares com a cruz templária estampada em suas velas. As ilhas dos Açores e da
Madeira foram colonizadas à medida que a costa africana ia sendo desbravada na
tentativa de encontrar o reino de Prestes João (que hoje sabemos ser a Etiópia),
no qual, conforme se noticiava, existiam fabulosos tesouros e ouro em
quantidades exorbitantes.
Sabia-se também que "(...)
a penetração em África causaria uma guerra aos mouros como as precedentes lutas
multisseculares. (...) A seguir a estas conquistas em Marrocos, as viagens
marítimas desenvolveram-se ao longo da costa ocidental africana. Aludimos atrás
à parte que nelas teve a Ordem de Cristo, continuadora dos templários (...). O
papel desempenhado pela idéia de cruzada desde os descobrimentos portugueses
está, pois, intimamente ligado à sua anterior evolução na guerra com os
mouros".
Em expedições formadas com
pequenas embarcações, foram registrados, corrigidos e aperfeiçoados os mapas
dos vários acidentes geográficos. As caravelas usadas em Portugal em 1442 foram
desenvolvidas nos estaleiros de D. Henrique. Ela era rápida, leve e fácil de ser
manobrada. Robusta o suficiente para enfrentar mar bravio, porém pequena e mais
adequada para explorar litorais, costear praias perigosas e navegar em mares
rasos. Sua construção foi uma conquista técnica dos portugueses e para a defesa
dessa exclusividade de utilização As Ordenações Manuelinas determinavam o seguinte: "Mandamos e defendemos
que nenhuma pessoa de qualquer condição que seja não venda aos estrangeiros
caravelas; (...) nem as vá lá fazer ao estrangeiro".
Com os conhecimentos náuticos
de que dispunha, a Ordem de Cristo prestou serviço insofismável à coroa portuguesa,
por causa da perigosa navegação costeira do Atlântico. Em 1418, na Bula Sane
Charissimus, o Papa Martinho V concedeu à Ordem a administração civil e
religiosa das terras tomadas aos infiéis (na verdade aos nativos), em recompensa
aos anos de esforço diplomático do Infante para pôr fim ao conflito existente
entre Roma e os antigos cavaleiros templários. Com o Infante D.Henrique foram
lançadas as bases para o descobrimento do Brasil.
A Espanha também vislumbrou a
oportunidade de igualar-se ao poderio marítimo português e, conseqüentemente,
obter dividendos semelhantes às terras conquistadas. Em 1480, deu-se uma
disputa na fronteira entre Portugal e Espanha ocasionando, catorze anos mais
tarde,na elaboração do Tratado de Tordesilhas, em que "o mundo era
dividido em dois hemisférios, demarcados por uma linha de pólo a pólo que
passasse 370 léguas a ocidente das ilhas de Cabo Verde: a ocidente desse
hemisfério, as terras novas pertenceriam à Espanha; as descobertas a Oriente
pertenceriam a Portugal".
D. Manuel I foi o monarca que
se mostrou mais interessado pelo comércio marítimo e pela exploração colonial.
Vasco da Gama descobriu o caminho para as Índias e foi recebido triunfalmente
quando retornou a Portugal, sendo recompensado pelo monarca com a nomeação de
almirante-mor das Índias. Desde então, tornou-se necessário gerir o território
asiático de uma forma diferente daquela adotada na África, devido à capacidade
defensiva superior dos povos asiáticos e também à dificuldade de aculturamento
aliada à distância. Assim sendo, servindo-se de diplomacia política, D. Manuel
I sugeriu uma aproximação baseada não na força bélica, mas na troca de
conhecimentos e nas relações comerciais.
Álvares Cabral, um cavaleiro da
Ordem de Cristo, partiu do rio Tejo, em Lisboa, em 8 de março de 1 500, em
direção às Índias, tendo em vista a criação de uma feitoria. Sua armada era
formada de 13 navios e 1,5 mil tripulantes, a maior expedição já organizada por
Portugal. A bordo, nobres, estudiosos, degredados e artesãos representavam uma
amostra da sociedade portuguesa. Oito frades franciscanos vinham liderados por
Henrique Soares, proeminente figura do clero português, que celebrou a primeira
cerimônia cristã em solo brasileiro. O frei Henrique Soares declarou que a
viagem da descoberta foi feita em honra e obediência à cruz, ou seja, a
empreitada que lançou os portugueses aos mares foi uma saga alimentada em
grande parte pelo fervor cristão.
Para o mestre de história
Walter Ângelo Fernandes Aló, da Universidade do Rio de Janeiro, a religiosidade
dos portugueses foi um fator decisivo para a descoberta do Brasil. "Desde
o tempo das cruzadas, das quais participaram ativamente, os portugueses encararam
as conquistas como uma espécie de missão"; isto é, para o historiador as motivações
religiosas foram tão importantes quanto as econômicas. "O povo português acreditava-se predestinado
por Deus para grandes realizações. Após mais de cinco séculos sob o domínio
muçulmano, Portugal pressentiu no fim do feudalismo o início de uma nova era. O
entusiasmo e o sentimento libertário motivaram a conquista de novas terras e
almas."
Pesquisas recentes publicadas
pelo historiador português Jorge Couto da Universidade de Lisboa revelaram que
D. Manoel I já tinha conhecimento da existência do Brasil antes da expedição de
Cabral. A tese do historiador baseia-se em um manuscrito produzido por Duarte
Pacheco Pereira, intitulado de Esmeraldo de situ orbís (O tratado dos novos
lugares da Terra, por Manoel e Duarte), que ficou desaparecido por quase quatro
séculos.
Duarte Pacheco foi um gênio da astronomia,
navegação e geografia. Era um homem da mais absoluta confiança do rei D. Manoel
l e desembarcara no Brasil, nas proximidades da fronteira do Maranhão com o
Pará, entre novembro e dezembro de 1498, portanto um ano e meio antes de
Cabral. De regresso a Lisboa fez um relato composto de cinco partes, num total
de 200 páginas, ao rei D. Manoel I.
A melhor prova do descobrimento
do Brasil encontra-se no seguinte excerto resumido do capítulo segundo da primeira
parte do Esmeraldo: "Como no terceiro ano de vosso reinado do ano de Nosso
Senhor de mil quatrocentos e noventa e oito, donde nos vossa Alteza mandou
descobrir a parte ocidental, passando além a grandeza do mar Oceano, onde é
achada e navegada uma tão grande terra firme, com muitas e grandes ilhas
adjacentes a ela e é grandemente povoada. Tanto se dilata sua grandeza e corre
com muita longura, que de uma arte nem da outra não foi visto nem sabido o fim
e cabo dela. É achado nela muito e fino brasil com outras muitas cousas de que
os navios nestes Reinos vem grandemente povoados."
D. Manoel considerou a
descoberta como um segredo de Estado e manteve o manuscrito em sigilo. Para o
historiador José Manoel Garcia "a viagem de Cabral continua a ser
considerada o descobrimento oficial do
Brasil apenas por uma questão de tradição e comodidade". Porto Seguro,
assim batizada pela calmaria das suas águas e pela beleza natural da sua
paisagem, acolheu no dia 26 de abril de 1500 a armada portuguesa que, ao invés
de ter seguido viagem para as Índias, rumou para o Ocidente passando por Cabo
Verde. A bandeira com a cruz de Cristo foi içada neste novo território e a
primeira missa foi celebrada.
"A principal riqueza da
terra recém-descoberta foi, durante muitos anos, o pau-brasil, árvore cujo
cerne, intensamente vermelho, tinha aplicação na tinturaria e cuja madeira, de
uma grande resistência, era usada na construção de móveis e de navios. O nome
que os descobridores deram à nova terra - Vera Cruz - foi rapidamente
substituído peia designação do principal
produto que de lá se trazia."
Estava assim concretizado o
mais ambicioso projeto dos cavaleiros de Cristo — a descoberta do Brasil —, o
qual foi formalmente incorporado às propriedades de sua organização. Mas, para
que essa empresa fosse bem-sucedida, a colaboração dos soberanos portugueses
foi fundamental, pois estes acreditavam na existência de terras a ocidente de
África.
Em 7 de setembro de 1822, D.
Pedro declarou a independência do Brasil ao tornar-se seu primeiro imperador.
Embora lhe fosse conferido o grau de cavaleiro da Ordem de Cristo, D. Pedro não
regeu o império como Grão-Mestre, mas como Imperador. Com a morte de seu pai,
D. Pedro tornou-se rei de Portugal e reivindicou à Santa Sé sobre a
possibilidade de a instituição da Ordem de Cristo no Brasil funcionar deforma
autônoma.
O Papa Leão XII, através da
Bula Praeclara Portugaliiae Algarbiorumque
Regum, de 15 de maio de 1827, concedeu-lhe a permissão, mas conflitos
políticos internos no Brasil impediram a
sua concretização. Só em 1843 a Ordem de Cristo foi oficialmente reconhecida, autonomamente,
no Brasil, tendo atuado no país até à República Constitucional de 1891.
Fonte: Livro História e
Mistérios dos Templários, Pedro Silva
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