Em nossos dias, torna-se
necessário considerar o lugar que a teologia atribui aos seres humanos em sua
relação com os animais.
Os animais, enquanto criaturas,
têm o seu próprio valor que o homem tem o dever de reconhecer e respeitar. Deus
o colocou, junto aos animais, para que através destes o homem possa chegar ao
seu desenvolvimento integral. “É quem, desde sempre, governa as realidades
terrenas, gerindo os outros seres, vivos ou não, segundo determinadas
finalidades. É ainda na relação com o homem que se revela a medida axiológica
(valor moral) de cada realidade existente, em desígnio universal harmônico e ordenado
que indica toda a plenitude de compreensão da realidade”.
O homem sempre se serviu dos
animais para as suas necessidades primárias (alimentação, trabalho, vestuário,
etc.), numa constante relação de cooperação natural. Esta posição de domínio do
homem sobre os animais “manifesta a superioridade ontológica do homem sobre
outros seres terrenos; essa se funda sobre a própria natureza da pessoa humana;
com suas dimensões de racionalidade e espiritualidade, põe o homem no centro do
universo, porque utiliza os recursos presentes (entre os quais os animais), de
maneira sábia e responsável, à busca da autêntica promoção de cada ser”.
Partindo de dois
questionamentos – o uso dos animais para melhorar a sobrevivência ou a saúde do
homem e a aceitabilidade da superação da barreira entre espécie animal e
espécie homem – certificamos que, numa relação de respeito, é conferido ao
homem, pelo próprio autor da criação, o direito de utilização dos animais para
salvaguardar sua vida. O uso dos animais pelo homem não pode ser de forma
arbitrária, numa relação de “patrão”, reduzindo a criação à condição de
escravidão aviltante e destrutiva, de explorador cruel das espécies animais. Nenhuma
intervenção do homem na natureza pode ser considerada indiferente. Os efeitos
desta intervenção devem ser avaliados com responsabilidade.
O homem é criado “à imagem e
semelhança de Deus” (Gn 1, 26-27), a pessoa humana goza de uma dignidade única
e superior, mas deve responder ao criador também pelo modo como trata os
animais. De conseqüência, o sacrifício dos animais pode ser justificado, mas só
para conseguir um bem relevante para o homem: é este o caso da utilização de
animais para alimentação, trabalhos, retirada de órgãos ou tecidos para
transplantar, também quando isso implique a necessidade de experimentações e/ou
de modificações genéticas sobre esses. Todavia também nessa prospectiva, é eticamente
pedido que, ao usar animais, o homem observe algumas condições: evitar aos
animais sofrimentos não necessários, respeitar os critérios de verdadeira
necessidade e raciocínio, evitar modificações genéticas não controláveis que
possam alterar de modo significativo a biodiversidade e o equilíbrio das
espécies do mundo animal.
Nisso consiste a
responsabilidade do homem e da mulher no cuidado de toda a criação. A soberania
do humano sobre os animais tem que ser exercida no respeito que toda a obra de
Deus tem uma ética. Deus é o Senhor de todo o universo e confere ao homem
participação no seu ser. Deus confere ao homem a capacidade de orientar,
através da sua obra responsável, a vida da criação para o autêntico e integral
bem do próprio homem (de todo o homem e de cada homem).
Na narrativa da criação (Gn
1,1-31), Deus cria o homem e a mulher à sua imagem e semelhança, e estabelece
uma hierarquia de valores entre as várias criaturas, permitindo ao homem tomar
posse do mundo. Tal hierarquia emerge pela consideração racional da transcendente
riqueza e dignidade da pessoa humana. O predomínio do homem na criação é defendido
por Loretz ao refletir os capítulos iniciais do Gênesis. Para o autor, “na
narrativa da criação, o direito de soberania sobre o mundo é dado ao homem,
depois de ele ter sido, pouco antes, definido como um ser semelhante a Deus na
imagem. Por isso, a igualdade de imagem com Deus é o pressuposto do predomínio
do homem”.
Não existem dúvidas entre os
teólogos sobre a soberania do homem imagem e semelhança de Deus na escala
hierárquica da criação em relação aos animais. A dignidade própria da pessoa
humana é dada pelo Criador e reconhecida por todos. A discussão ao longo do processo histórico se
dá em torno da relação homem-animal, de como interpretar a autoridade do homem,
dada por Deus, para “dominar e submeter a terra, peixes, pássaros, animais” (Gn
1,28-29). Esta relação homem-animal, na teologia da criação, foi interpretada
de várias formas pelos diversos teólogos ao longo da história.
Na atual teologia da criação,
surge a teologia na concepção teocêntrica, ou seja, Deus presente na criação:
todo o universo foi criado por Deus e o homem criado “à imagem e semelhança de
Deus” (Gn 1,26-27); numa relação de respeito, é conferido ao homem, pelo
próprio autor da criação, o direito de utilização dos animais para salvaguardar
sua vida; não é antropocentrismo, mas o teocentrismo cosmológico, ou seja, a
superação da categoria de uma natureza totalmente à disposição do ser humano
como material manipulável e tecnicizável, para a categoria de conservação e
cooperação do e com o mundo criado. A liberdade do ser humano é uma “liberdade
vinculada” e, portanto, responsável pelo mundo diante de Deus.
No conflito entre a criação e o
homem tecnológico, hoje se fala na ética da solidariedade. Portanto, “tornou-se
necessário levar em consideração a salvação em conjunto do ser humano, sob o
signo da fé, e refletir teologicamente a respeito das possibilidades da sua
salvação e da sua convivência”.
O modelo adotado consiste não
numa relação de domínio explorador do homem sobre o animal, mas de uso
responsável, ou seja, “O homem, criado à imagem e semelhança de Deus, é
colocado no centro e no cume da criação, não só porque tudo quanto existe é
destinada a ele, mas também porque a mulher e o home têm a tarefa de colaborar
com o criador em conduzir a criação para sua perfeição final: ‘Sejam fecundos e
multiplicai-vos, enchei a terra, sunjugai-a’ (Gn 1,28). Eis o mandato com o
qual Deus confia ao homem o ‘domínio’ da criação, em seu nome. Com relação a
isso exprime-se João Paulo II na encíclica Laboren exercens: “O homem é imagem de Deus, para o mandato recebido do seu criador
de subjugar, de dominar a terra. No cumprimento de tal mandato, o homem, cada
ser humano, reflete a ação mesma do criador no universo”.
Fonte: Livro O que a Igreja ensina sobre... – Pe.
Mário Marcelo Coelho, scj
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