Que
estais no céu
17. — Entre
as disposições necessárias àquele que reza, a confiança tem uma importância
considerável. Quem pede alguma coisa a Deus, diz São Tiago, (1,6) faça-o com
confiança e sem hesitação. O Senhor, no princípio da Oração que nos ensinou,
expõe os motivos que fazem nascer a confiança.
Primeiro, a
complacência do Pai: Pai Nosso. Depois, diz o Senhor (Lc 11, 13): Vós que sais
maus, sabeis dar coisas boas a vossos filhos; quanto mais dará vosso Pai
celeste,do alto dos céus, àqueles que lhe pedem, seu bom Espírito. Um outro
motivo de confiança é a grandeza e o poder do Pai, o que nos faz dizer ao
Senhor não apenas Pai nosso, mas Pai nosso que estais no céu. O Salmista também
diz: (Sl 122, 1) Elevei meus olhos para vós que habitais nos céus.
18. — O
Senhor usou a expressão que estais no céu por três razões diferentes.
Em primeiro
lugar, esta expressão tem por objeto preparar a oração, como nos recomenda o
Eclesiástico (18, 23): Antes da oração, preparai vossas almas. Seguramente, o
pensamento de que nosso Pai está nos céus, isto é, na glória celeste, nos
prepara para lhe dirigirmos nossas súplicas.
Na promessa
do Senhor a seus Apóstolos (Mt 5, 12): vossa recompensa será grande nos céus, a
expressão «nos céus» tem igualmente o sentido de «na glória celeste». A
preparação da oração se realiza pela imitação das realidades celestes, pois o
filho deve imitar seu pai.Assim,São Paulo escreve aos Coríntios (I, 15,49):
Como revestimos a imagem do homem terrestre, é preciso também revestirmos a
imagem do homem celeste.
A
preparação para a oração requer também a contemplação das coisas celestes. Os
homens têm por hábito dirigir freqüentemente o pensamento para o lugar onde está
seu pai e onde se acham os outros seres, objetos de seu amor, segundo a palavra
do Senhor (Mt 6, 21): Lá onde está o teu tesouro,também está teu coração.
Foipor isso que o Apóstolo escreveu aos Filipenses (3,20): Nos céus está a nossa
morada.
A
preparação da oração reclama, enfim, que aspiremos às coisas celestes. Àquele
que está nos céus devemos pedir coisas celestes, como nos diz São Paulo (Cl 3,
1): Procurai as coisas do alto, lá onde está o Cristo.
19. — Em
segundo lugar, as palavras «Pai nosso que estais no céu» podem significar a
facilidade que tem Deus de ouvir as nossas preces, porque está próximo de nós. Aquelas
palavras significam então: Pai nosso que estais nos santos. Com efeito, Deus
habita nos santos.
Jeremias
diz (14, 9): Senhor, Vós estais em nós. Os santos são realmente chamados
«céus», segundo essas palavras do Salmo 18,12:
«Os céus proclamam a glória de Deus». Ora, Deus habita nos santos pela fé. São
Paulo escreve aos Efésios (3, 17): Que Cristo habite em vossos corações pela
fé.
Deus também
mora nos santos pela caridade. Aquele que habita na caridade, diz São João (I,
4, 16), habita em Deus e Deus nele. Deus mora ainda nos santos pela realização
dos mandamentos. Se alguém me ama, declara o Senhor (Jo 14,23), guarda minha
palavra e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada.
20. — Em
terceiro lugar, «que estais nos céus» se refere à eficácia do Pai ao nos ouvir.
Neste caso a palavra «céus» designa céus materiais e visíveis; não que
queiramos dizer, com isso, que Deus está encerrado no céu corpóreo, pois está
escrito (2 Rs 18, 27): Eis que os céus e os céus dos céus não vos podem conter;
mas estas palavras «que estais nos céus» mostram:
a) que
Deus, por seu olhar, é clarividente e penetrante, porque vê do alto. Ele olhou
de sua santa altura, diz o Salmo 101,20;
b) que Deus
é sublime em seu poder, segundo a palavra do Salmista (102, 19): O Senhor
dispôs seu trono, nos céus;
c) que Deus
é estável em sua eternidade, segundo outras palavras (Sl 101, 13 e 28): Senhor,
permaneceis eternamente e vossos anos, não têm fim. Por isto, diz-se de
Cristo(Sl 88,30): Seu trono é como o dia do céu, isto é, sem fim, como a
duração do que é celeste. E o Filósofo confirma, com sua autoridade, a justeza
desta comparação, quando faz notar em seu tratado «do céu»: «Por causa de sua
incorruptibilidade, o céu é olhado por todos, como sendo a morada dos puros
espíritos».
21. — Estas
palavras «que estais nos céus» dirigidas ao Pai, no momento da oração, nos dão
um triplo motivo de confiança, que repousa:
a) sobre o
poder de Deus;
b) sobre a
amizade de Deus, que nós invocamos;
c) sobre a
conveniência de nosso pedido.
a) O poder
do Pai que nós imploramos nos é sugerido pela expressão: «que estais nos céus»,
se por céus compreendermos os céus materiais e visíveis. Sem dúvida, Deus não
está encerrado nos céus materiais, pois nos dizem Jeremias(23,24): Encho o céu
e a terra; diz-se, entretanto, «estais nos céus» para insinuar a virtude de sua
natureza.
22. —
Contra aqueles que afirmam que tudo vem necessariamente pela influência dos
corpos celestes e negam a utilidade de se pedir qualquer coisa a Deus pela
oração — como são tolos! — dizemos a Deus: «que estais nos céus» e ali está,
por virtude de Seu poder, como Senhor dos céus e das estrelas, seguindo a
palavra do Salmo (102, 19): O Senhor preparou seu trono nos céus.
23. — E também
contra aqueles que em suas preces constroem e compõem imagens corpóreas de Deus, é na intenção deles que dizemos:
«que estais nos céus». Desta sorte: pelo que há de mais elevado nas coisas
sensíveis, nós lhes mostramos a sublimidade de Deus, que ultrapassa a tudo,
incluindo o desejo e a inteligência dos homens, e assim tudo que se possa
pensar e desejar é inferior a Deus. É por isto que está escrito no livro de Jó (32,26):
Deus é grande e ultrapassa nossa ciência, e no livro dos Salmos (Sl 112, 4): O
Senhor se elevou acima de todas as nações. E Isaías declara (40, 18): A quem
tendes vós assemelhado Deus?
24. — b)
Muitos disseram que Deus, pelo fato de estar tão alto, não cuida das coisas
humanas. É preciso,ao contrário, pensar que Ele está próximo de nós, e que está
intimamente presente em nós. Esta familiaridade de Deus com o homem nos é
apontada pelas palavras da Oração Dominical«que estais nos céus», se as
entendemos assim: «vós que estais nos santos». Os santos são os céus, segundo a
palavra do salmista(18,2): os céus mostram a glória de Deus e também Jeremias
(14,9): Estais no Senhor.
25. — Esta
intimidade de Deus com os homens nos inspira dois motivos de confiança quando
rezamos ao Senhor.
O primeiro
se apóia nesta proximidade divina que o Salmista mostra nas palavras (14, 4,
18): O Senhor está próximo dos que o invocam. Por isto o Senhor nos dá o aviso
(Mt. 6, 6): Quando rezardes entrai em vosso quarto, quer dizer, no interior de
vosso coração.
O segundo
repousa no patrocínio dos santos. Por sua intercessão, podemos obter o que
pedimos. (Jó 5, 1): Dirigi-vos a qualquer dos santos e São Tiago (5, 16): Rogai
uns pelos outros, para que sejais salvos.
26. — c)
Se, quando dizemos ao Pai celeste,: Vós que estais nos céus, pensamos que céus
designam os bens espirituais e eternos, objeto de bem-aventurança, então nosso
desejo das coisas celestes se inflama. Nosso desejo deve inclinar-se para onde
está nosso Pai, pois lá também está nossa herança. São Paulo diz aos fiéis:
Procurai os bens do alto (Cl 3, 1) e São Pedro (1, 1, 4) nos fala desta herança
incorruptível,que nos está reservada nos céus.
O
pensamento de que o Pai é nosso Bem espiritual eterno, objeto de nossa
bem-aventurança, nos convida, com força, a levarmos uma vida celeste, a fim de
nos tornarmos conforme o nosso Pai. Como é o celeste, assim também serão os
celestiais, declara o Apóstolo (1 Cor 15, 18).
Estas duas
coisas, o desejo da bem-aventurança do céu e o levar nesta terra uma vida
celestial — nos predispõem incontestavelmente a rezar com devoção ao Senhor e
dirigir-lhe uma oração digna de sua Majestade.
Fonte:
Sermões de São Tomás de Aquino, Edição Eletrônica Permanência, 2003
Saiba mais:
Sermões de São Tomás de Aquino – A Oração Dominical Parte 5 (Seja feita a Vossa vontade, assim na terra comono céu)
Sermões de São Tomás de Aquino – A Oração Dominical Parte 6 (O pão nosso de cada dia, nos dai hoje )
Sermões de São Tomás de Aquino – A Oração Dominical Parte 6 (O pão nosso de cada dia, nos dai hoje )
Sermões de São Tomás de Aquino – A Oração Dominical Parte 7 (Perdoai as nossas dividas, assim como perdoamos os nossos devedores)
Sermões de São Tomás de Aquino - A Oração Dominical Parte 8 (E não nos deixeis cair em tentação)
Sermões de São Tomás de Aquino - A Oração Dominical Parte 9 - Final (Mas livrai-nos do mal. Amém)
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