Venha a
nós o Vosso reino
34. — Como
foi dito, o Espírito Santo nos faz amar, desejar e pedir retamente o que nos convém
amar, desejar e pedir (no. 3). Este Espírito produz em nós, primeiro, o temor
que nos leva a procurar a santificação do nome de Deus, para, em seguida, nos
dar o dom da piedade. A piedade é, propriamente, uma afeição terna e devotada por
um pai e também por um homem caído na miséria.
Como Deus é
nosso Pai, devemos não somente venerá-lo e temê-lo, mas também alimentarmos uma
terna e delicada afeição por Ele. É esta afeição que nos faz pedir a vinda do
reino de Deus. São Paulo declara em Tito, 2, 11-13: A graça de Deus apareceu a
todos os homens, ensinando-nos que vivamos neste mundo sóbria, justa e piamente,
aguardando a esperança bem-aventurada e a vinda gloriosa de nosso grande Deus.
35. — Mas
podemos perguntar: Se o reino de Deus sempre existiu, porque pedimos a sua
vinda? Devemos responder a esta pergunta de três maneiras:
a)
Primeiro: o reino de Deus, em sua forma acabada, supõe a perfeita submissão de todas
as coisas a Deus. Um rei não será rei, efetivamente, antes de que todos
os seus súditos lhe obedeçam.
Sem dúvida,
Deus pelo que é e por sua natureza, é o Senhor do universo; e o Cristo, sendo
Deus e sendo homem, tem, como Deus, o senhorio sobre todas as coisas. Diz
Daniel (7, 14): No mais antigo dos dias foi lhe dado o poder, a honra e a
realeza. É preciso que tudo lhe seja submetido. Mas isto ainda não é assim e se
realizará no fim do mundo. Está escrito (1 Cor 15, 25): É necessário que ele
reine, até que ponha todos os inimigos debaixo de seus pés.Eis porque pedimos:
venha a nós o vosso reino.
36. — Assim
fazendo, pedimos três coisas, a saber:
— que os
justos se convertam;
— que os
pecadores sejam punidos;
— que a
morte seja destruída.
Os homens
são submetidos ao Cristo de duas maneiras: ou voluntariamente ou contra a
vontade. A vontade de Deus, com efeito, possui tal eficácia, que não pode
deixar de se realizar totalmente. E já que Deus quer que todas as coisas sejam
submissas ao Cristo, é preciso necessariamente ou que o homem cumpra a vontade
de Deus, submetendo-se a seus mandamentos — o que fazem os justos — ou que Deus
realize sua vontade naqueles que lhe desobedecem, isto é, nos pecadores e nos
seus inimigos, punindo-os. O que acontecerá, no fim do mundo, quando Ele
colocará seus inimigos debaixo de seus pés (cf., Sl 109, 1). Por isso é dado
aos santos pedirem a Deus a vinda de seu reino, com a total submissão de todos à
sua realeza. Mas esse pedido faz tremer os pecadores, pois assim terão de se
submeter aos suplícios requeridos pela vontade divina. Infelizes aqueles
(pecadores) que desejam o dia do Senhor(Am 5, 18).
A vinda do
reino de Deus, no fim dos tempos, será também a destruição da morte. O Cristo é
a vida; ora, a morte — que é contrária à vida — não pode existir em seu reino,
segundo a palavra (1 Cor 15,26): O último inimigo a ser destruído será a morte,
o que quer dizer que na ressurreição, segundo São Paulo (Fp 3, 21), o Salvador
transformará nosso corpo de miséria,
e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso.
37. b)
Segundo: o reino dos céus designa a glória do paraíso. Não há nisto nada de
espantoso, pois o reino quer dizer, simplesmente, governo. Um governo atinge
seu mais alto grau de excelência, quando nada se opõe à vontade de quem
governa.
Ora, a
vontade de Deus é a salvação dos homens, pois Deus quer que todos os homens se
salvem (cf. 1 Tm 2, 4). Esta vontade divina se realizara principal mente no paraíso,onde
nada é contrário à salvação dos homens, pois o Senhor diz (Mt 13, 14): Os anjos
lançarão fora de seu reino todos os escândalos. Neste mundo, ao contrário,
abundam os obstáculos, para a salvação dos homens.
Quando,
pois, pedimos a Deus: «venha a nós o vosso reino», rezamos para que, triunfando sobre esses obstáculos,
sejamos participantes de seu reino e da glória do paraíso.
38. — Três
motivos tornam este reino extremamente desejável.
Primeiro, pela
soberana justiça deste reino. Falando de seus habitantes, o Senhor diz a Isaías
(60, 21) que todos são justos. Aqui, os maus estão misturados com os bons, mas
lá não haverá nem maus nem pecadores.
39. —
Segundo, pela perfeita liberdade dos eleitos. Aqui na terra, todos desejam a
liberdade, sem possuí-la plenamente. Mas no céu se goza de uma plena e inteira
liberdade, sem a menor servidão. Diz-nos São Paulo (Rm 8, 21): A própria
criação será libertada do cativeiro da corrupção, para a gloriosa liberdade dos
filhos de Deus.
E não
somente todos os eleitos possuirão a liberdade, mas serão reis, segundo o
Apocalipse: Fizeste-nos reis e sacerdotes e reinaremos sobre a terra.
Serão todos
reis, porque terão, como Deus, uma só vontade. Deus quererá o que os santos
querem e os santos quererão o que Deus quer. Assim todos reinarão, porque farão
a vontade de todos e Deus será a coroa de todos, segundo Isaías (28, 5):
Naquele dia, o Senhor dos exércitos será a coroa da glória e a grinalda de
exultação para o resto de seu povo.
40. —
Terceiro, pela maravilhosa abundância de seus bens. Diz Isaías ao Senhor (64,
4): O olho não viu, exceto tu, ó Deus, o que tens preparado para aquele que te
esperam. E o Salmista (Sl 102, 5).
Enches de
bens, segundo o teu desejo. E é preciso notar que «só em Deus» o homem achará a
excelência e a perfeição daquilo que procura, «neste mundo». Se procurais o deleite,
em Deus achareis o deleite supremo. Se procurais riquezas,em Deus achareis a
superabundância de tudo de que tendes necessidade e tudo que é razão de ser das
riquezas. O mesmo acontece com os outros bens. Santo Agostinho reconhecia em
suas Confissões: «A alma que fornica, ao afastar-se de vós, procurando os bens fora
de vós, só os encontrará límpidos e puros se voltar para vós».
41. — c)
Terceiro: porque muitas vezes o pecado reina e triunfa neste mundo, pedimos a
Deus a vinda de seu reino. São Paulo se levantava contra esta calamidade (Rm 6,
12): Que o pecado não reine em vossos corações.
Esta
infelicidade se realiza quando o homem
se deixa levar sem resistência, até o fim de sua inclinação para o pecado. Deus
deve reinar em nosso coração e o faz efetivamente quando estamos prontos a
observar os seus mandamentos.
Quando
pedimos a vinda do reino de Deus, rezamos para que não reine em nós o pecado,
mas que só Deus ali reine e para sempre.
42. — Por
este pedido da vinda do reino de Deus, chegaremos à bem-aventurança, proclamada
pelo Senhor (Mt 5, 4): Bem-aventurados os mansos.
Com efeito,
segundo a primeira explicação do pedido venha a nós o vosso reino (n° 35), o
homem, pelo fato de desejar que Deus seja reconhecido mestre soberano de tudo,
não se vinga da injustiça recebida, mas deixa esse cuidado a Deus. Pois se
vingando ele está procurando seu triunfo pessoal e não a vinda do reino de
Deus.
De acordo
com a segunda explicação (n° 37) se esperais o reino de Deus, quer dizer, a
glória do paraíso, não deveis ficar
inquietos,quando perdeis os bens deste mundo. Do mesmo modo, pela terceira
explicação, (no 41) pedis que reine em vós Deus e seu Cristo. Assim como Jesus
foi mansíssimo, pois ele mesmo o diz (Mt 11, 29), deveis também ser mansos e
imitar os Hebreus dos quais diz São Paulo (Heb 10, 34): aceitaram com contentamento
a espoliação de seus bens.
Fonte:
Sermões de São Tomás de Aquino, Edição Eletrônica Permanência, 2003
Saiba mais:
Sermões de São Tomás de Aquino – A Oração Dominical Parte 6 (O pão nosso de cada dia, nos dai hoje )
Sermões de São Tomás de Aquino – A Oração Dominical Parte 7 (Perdoai as nossas dividas, assim como perdoamos os nossos devedores)
Sermões de São Tomás de Aquino - A Oração Dominical Parte 8 (E não nos deixeis cair em tentação)
Sermões de São Tomás de Aquino - A Oração Dominical Parte 9 - Final (Mas livrai-nos do mal. Amém)
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