ENCÍCLICA
UNAM SANCTAM
DO PAPA BONIFÁCIO VIII
Una, santa, católica e apostólica: esta é a Igreja
que devemos crer e professar, já que é isso o que a ensina a fé. Nesta Igreja
cremos com firmeza e com simplicidade testemunhamos. Fora dela não há salvação,
nem remissão dos pecados, como declara o esposo no Cântico: “Uma só é
minha pomba sem defeito. Uma só a preferida pela mãe que a gerou” (Ct
6,9). Ela representa o único corpo místico, cuja cabeça é Cristo, e Deus é a
cabeça de Cristo. Nela existe “um só Senhor, uma só fé e um só
batismo” (Ef 4,5). Com efeito, apenas uma foi a arca de Noé na época do
dilúvio; ela foi a figura antecipada da única Igreja; encerrada com “um
côvado” (Gn 6,16), teve um único piloto e um único chefe: Noé. Como lemos,
tudo o que existia fora dela, sobre a terra, foi destruído.
A esta única Igreja, nós a veneramos, como diz o
Senhor pelo profeta: “Salva minha vida da espada, meu único ser, da pata
do cão” (Sl 21,21). Ao mesmo tempo que Ele pediu pela alma – ou seja, pela
cabeça –, também pediu pelo corpo, porque chamou o seu corpo de único, isto é,
a Igreja, por causa da unidade da Igreja no seu esposo, na fé, nos sacramentos
e na caridade. Ela é a veste sem costura (Jo 19,23) do Salvador, que não foi
dividida, mas tirada à sorte. Por isso, esta Igreja, una e única, tem um só
corpo e uma só cabeça, e não duas como um monstro: é Cristo, e Pedro é vigário
de Cristo, bem como os sucessores de Pedro, conforme o que disse o Senhor ao
próprio Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,17).
Disse “minhas” em geral e não “esta” ou “aquela” em
particular, de forma que se subentende que todas lhe foram
confiadas. Assim, se os gregos ou outros dizem que não foram confiados a Pedro
e aos seus sucessores, é necessário que reconheçam que não fazem parte das
ovelhas de Cristo, pois o Senhor disse no Evangelho de São João: “Há um só
rebanho e um só Pastor” (Jo 10,16).
As palavras do Evangelho nos ensinam: este poder
comporta dois gládios, ambos estão em poder da Igreja: o gládio espiritual e o
gládio temporal. Mas este último deve ser usado para a Igreja,
enquanto o primeiro deve ser usada pela Igreja. O espiritual
deve ser manuseado pela mão do sacerdote; o temporal, pela mão dos reis e
cavaleiros, com o consenso e segundo a vontade do sacerdote. Um gládio deve
estar subordinado ao outro gládio; a autoridade temporal deve ser submissa à
autoridade espiritual.
O poder espiritual deve superar em dignidade e
nobreza toda espécie de poder terrestre. Devemos reconhecer isso porque muito
nitidamente percebemos que as coisas espirituais sobrepujam as temporais. A
verdade o atesta: o poder espiritual pode estabelecer o poder terrestre e
julgá-lo se este não for bom. Ora, se o poder terrestre se desvia, será julgado
pelo poder espiritual. Se o poder espiritual inferior se desvia, será julgado
pelo poder superior. Mas, se o poder superior se desvia, só Deus poderá
julgá-lo e não o homem. Assim testemunha o apóstolo: “O homem espiritual
julga a respeito de tudo e por ninguém é julgado” (1Cor 2,15).
Esta autoridade, ainda que tenha sido dada a um
homem e por ele seja exercida, não é humana, mas de Deus. Foi dada a Pedro pela
boca de Deus e fundada para ele e seus sucessores n’Aquele que ele, a rocha,
confessou, quando o Senhor disse a Pedro: “Tudo o que ligares...” (Mt
16,19). Assim, quem resiste a este poder estabelecido por Deus “resiste à
ordem de Deus” (Rm 13,2), a menos que esteja imaginando dois princípios,
como fez Manes, opinião que julgamos falsa e herética, já que, conforme Moisés,
não é “nos princípios”, mas “no princípio” que “Deus criou o céu e a
terra” (Gn 1,1).
Por isso, declaramos, dizemos, definimos e
pronunciamos que é absolutamente necessário à salvação de toda criatura humana
estar sujeita ao romano pontífice.
Dada no oitavo ano de nosso pontificado [18 de
novembro de 1302].
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