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NOVA EXEGESE, O TRIUNFO DO MODERNISMO SOBRE A EXEGESE CATÓLICA
Autor: Monsenhor Francesco Spadafora
LIBERDADE DE ERRO
Como um fruto da equivocidade do Concílio, no pós-concílio encontramos o triunfo da nova exegese, totalmente modernista, a qual, tendo como cabeça o Cardeal Martini, nega a inerrância absoluta da Sagrada Escritura, a autenticidade e historicidade dos Evangelhos, despreza a orientação do Magistério Infalível da Igreja, mas se proclama ser de tal modo fiel ao “Divino Afflante Spiritu” de Pio XII, (reduzida a poucas citações neo-modernisticamente interpretadas), à Instrução da Pontifícia Comissão Bíblica (preparada e aprovada pelo Cardeal Bea), e à Constituição DEI VERBUM do Vaticano II(também essa reduzida àquelas partes que podem servir à causa neo-modernista e falaciosamente interpretada).
A interpretação neo-modernista da DEI VERBUM foi proposta pelo jesuíta, padre Ignazio de la Potterie S. J. aos seus colegas da Civiltà Cattolica; todos substancialmente de acordo com o padre R. Rouquette S. J., que já em 1965 escrevia com entusiasmo: « O esquema sobre a Revelação em sua forma definitiva permanece como um grande texto libertador, o qual não fecha nenhuma porta; esse consagra consideravelmente o trabalho da exegese Católica contemporânea [ aquela, subentende-se, que nega os dogmas fundamentais da verdadeira exegese Católica]. Esse deixa o caminho aberto para a pesquisa. Os Romanos [os jesuítas do Instituto Bíblico, Lyonnet e Zerwick em particular] que haviam sido tão violentamente e injustamente atacados alguns anos atrás, expressam unanimemente sua satisfação» (Études 1965, p. 680).
Por sua vez, o Cardeal Carlo Maria Martini, atual cardeal de Milão e reitor do Pontifício Instituto Bíblico, proclamava enfaticamente nas páginas da Civiltà Cattolica : «A Dei Verbum, em uma síntese, retoma as indicações autoritárias das encíclicas [em todo caso, uma só: a revolucionária Divino Afflante Spiritu, segundo o Instituto Bíblico] e não só elimina toda dúvida possível sobre a validade do uso desses métodos modernos na exegese Católica, como também indica os caminhos para um posterior aprofundamento» (Alguns aspectos da della Dei Verbum, Civiltà Cattolica, 7.5.1966, pp. 216-266; em particular pp. 211-226: Il Concilio e la scienza biblica). E depois de ter propugnado a “sua” interpretação do capítulo V da DEI VERBUM ( inerrancia e historicidade) conclui, ainda com mais entusiasmo: «Se pode dizer que nesse capítulo o hodierno movimento bíblico encontrou o seu mais alto reconhecimento e a sua carta magna, a qual lhe permitirá permear eficazmente e livremente [buscam uma liberdade que há muito tempo já tomaram!] todos os aspectos da vida da Igreja…».
Liberdade! Mas liberdade de pesquisa na exegese Católica, é algo que sempre existiu! Basta recordarmos a obra concluída no campo dos estudos bíblicos pelo Padre M. J. Lagrange O. P. com a sua École Biblique e pelo próprio Instituto Bíblico até aproximadamente o ano 1950 (V. École Biblique e Istituto Biblico no Dizionario Biblico (ed. Studium) ). Mas não é a liberdade de pesquisa no estudo científico que os “novos exegetas estão buscando. Esses, cegos e obcecados de entusiasmo pelos sistemas racionalistas protestantes, pedem, e hoje crêem ter conseguido se liberar da orientação luminosa do Magistério Extraordinário Infalível da Igreja. Todo exegeta Católico é obrigado a ater-se ao que foi decretado pelos Concílios de Trento e Vaticano I, os quais foram ecumênicos e dogmáticos, e os quais declararam que « nas coisas de fé e costumes, pertinentes à edificação da fé cristã, é necessário ter por verdadeiro sentido da Sagrada Escritura, aquilo que sempre teve e tem a Santa Madre Igreja, a qual compete julgar o verdadeiro sentido e a verdadeira interpretação da Sagrada Escritura. Portanto a ninguém é lícito interpretar a Sagrada Escritura contra esse sentido ( o da Igreja) ou também contra o unânime consenso dos Padres» (Vaticano I, Constituição De Fide Catholica, D. 3007. V. Giorgio Castellino, S. D. B., A Constituição Dogmática sobre a Divina Revelação, p. 208. Cf. F. Spadafora, Esegesi e Teologia, Il Principio fondamentale per la sana esegesi, in Renovatio 1967, pp. 233-264, e em Palestra del Clero, nn. 12-13, 1972).
SILÊNCIO E OMISSÕES DO CARDEAL MARTINI
Segundo o Cardeal Martini e os “novos exegetas”, o Vaticano II teria sancionado duas heresias na Constituição DEI VERBUM:
1- A inerrância da Sagrada Escritura não é absoluta, mas limitada apenas à “verdade salvífica”;
2- Os Evangelhos não seriam livros históricos e nem foram escritos por Mateus, Marcos, Lucas e João e sim por redatores “desconhecidos”.
Quais as argumentações do Cardeal Martini? Vejam bem – ele substancialmente diz – « as sucessivas formulações que o texto recebeu nos diversos esquemas, em particular o número 11» [sobre inerrância]; da profissão comum sobre a inerrância se passa para a «verdade salutar» e enfim para a «verdade […] consignada nas Sagradas Letras para a nossa salvação»; do mesmo modo, da afirmação claríssima sobre a autenticidade e historicidade dos Evangelhos se passa para o texto atual tirado da Instrução do Cardeal Bea, o qual aprova a ” Formengeschichte” e assim abre o caminho para a negação da autenticidade e historicidade dos Evangelhos. “Cicero pro domo sua”. Nenhum aceno sequer da parte de Martini para as sutis manobras da Comissão Doutrinária, para a tenaz oposição de centenas de Padres, culminada com o recurso ao Papa, nenhuma observação para a intervenção de Paulo VI documentada até mesmo pelo jesuíta Caprile (cujo artigo Martini cita só como nota de referência), para que fosse reafirmada a inerrância absoluta e a plena historicidade dos Evangelhos com um texto inequívoco e não tão ambíguo como aquele que foi apresentado para votação. Em suma, Martini finge ignorar que as sucessivas formulações, todas insatisfatórias, sobre as quais ele apoia a «sua» interpretação da DEI VERBUM, foram na verdade obra, não do Concílio, mas dos membros neo-modernistas (quase todos ex-alunos do Instituto Bíblico) escolhidos a dedo pela comissão teológica dos Cardeais e Bispos da «Alleanza Europea». A esse ponto, o leitor pode avaliar a importância fundamental das comissões conciliares e compreender sempre melhor como os cardeais Liénart, Frings, Lefèbvre (di Bruges, não confundir com Monsenhor Lefèbvre), Léger, Montini, Tisserant, etc, todos expoentes maiores da considerada «Alleanza Europea», tiveram tanto cuidado em introduzir em cada uma das comissões, em particular na Comissão Teológica, os seus próprios elementos «liberais» ou neo-modernistas . Esses conseguiam numa determinada comissão uma certa prevalência e além do mais, protegidos e decididos, conseguiam surpreender os demais membros, os quais poderiam e deveriam resistir-lhes, mas que ao invés, intimidados e “pacíficos”, preferiram se adaptar às concessões. Eu falo por experiência própria. Naquela época, Sua Excia E. Florit, um bispo que aspirava ao Cardinalato, era um dos membros da Comissão Teológica . Como ex-aluno do Instituto Bíblico e já professor de Sagrada Escritura em Latrão, ele tinha escrito o seguinte contra a “Formengeschichte”: «Nessa não se encontra em parte alguma uma intervenção sobrenatural na composição dos Evangelhos, portanto a inspiração divina e a conseqüente inerrância estão excluídas» (E. Florit, Il metodo della “storia delle forme” e la sua applicazione ai racconti della Passione, 1935, pp. 227-230).
Pois bem, numa certa noite discutíamos exatamente sobre a inspiração dos Livros Sagrados; e assim ele concluiu em resposta às minhas observações sobre o texto conciliar: «Você tem toda razão, mas devemos contentar um pouquinho o outro lado, o dos opositores». A diplomacia, o jogo de interesses, a concessão, ao invés de se propor integralmente e com precisão a Doutrina Católica que emerge tão límpida e inequívoca nos Documentos do Magistério foi uma das marcas registradas desse Concílio!
[…]
PORTA ABERTA PARA O ERRO
«Quando se quer jogar no terreno da ambigüidade, nada melhor do que confundir os pontos fundamentais no mar de tantas outras considerações menores » Assim escreveu Monsenhor P. C. Landucci. E o Professor Romano Amerio bem ilustra essa «hermeneutica neoterica» pós-conciliar, ou seja a interpretação neo-modernista do Concílio (R. Amerio, Iota Unum, R. Ricciardi ed., Roma-Napoli 1985, p. 93). « Ainda mais relevante é o fato do método do circiterismo [circiterismo = expressar-se por aproximação, de modo ambíguo] ter sido usado com tanta naturalidade na redação dos documentos conciliares. O circiterismo foi então imposto intencionalmente com a finalidade de que a hermenêutica pós-conciliar pudesse rubricar ou sublinhar aquelas idéias que se queriam exprimir. “Nous l’exprimons d’une façon diplomatique, mais après le Concilie nous tirerons le conclusions implicites”» (“Nós expressamos de modo ambíguo e diplomático, mas depois do Concílio tiraremos as conclusões implícitas”: esta é uma declaração do «perito» dominicano Padre Schillebeeckx à revista holandesa De Bazuin, n. 16, 1965). Assim por exemplo, o texto da DEI VERBUM declara de modo inequívoco que a Santa Igreja «afirma sem hesitação» a historicidade dos Evangelhos: «quorum [Evangelorium] historicitatem [Sancta Mater Ecclesia] incunctanter affirmat», mas Monsenhor Galbiati no seu comentário, precisa que isso vale somente para a «história da salvação» (E. Galbiati, La Costituzione dogmatica della Divina Rivelazione, Elle Di Ci, Torino 1966, p. 255). De onde ele tira essa interpretação limitativa, que reduz a historicidade dos Evangelhos apenas à «história da salvação», excluindo tudo o mais que é narrado pelos Livros Sagrados? Da sucessiva afirmação contida na DEI VERBUM que os Evangelhos «transmitem fielmente aquilo que Jesus, Filho de Deus, ao viver entre os homens, realmente fez e ensinou PARA A SALVAÇÃO DELES». Portanto – conclui ele – os Evangelhos transmitiram fielmente SÓ AQUILO que diz respeito à nossa salvação. Assim, com uma expressão sintaticamente transposta e alheia ao seu contexto, Monsenhor Galbiati, quer restringir até mesmo a historicidade ( e também a inerrância) do Evangelho às coisas concernentes apenas à Fé e aos costumes!
Ressaltamos com o Prof. Amerio que «para esse propósito o Concílio deixou formada uma comissão para a interpretação autêntica de seus decretos, mas que dessa mesma comissão jamais se emanou explicações autênticas e nem sequer ela é mencionada). Assim, a era pós-conciliar que deveria ter sido de execução, ficou apenas na interpretação, quase sempre arbitrária e falaciosa do próprio Concílio. “Falta uma interpretação autêntica dos seus decretos, dos pontos incertos… tal definição foi deixada à mercê das disputas entre teólogos”. O caráter ambíguo dos textos conciliares dá fundamento tanto para a hermenêutica neoterica quanto para aquela tradicional » (R. Amerio, op. cit., p. 88).
Ressaltamos com o Prof. Amerio que «para esse propósito o Concílio deixou formada uma comissão para a interpretação autêntica de seus decretos, mas que dessa mesma comissão jamais se emanou explicações autênticas e nem sequer ela é mencionada). Assim, a era pós-conciliar que deveria ter sido de execução, ficou apenas na interpretação, quase sempre arbitrária e falaciosa do próprio Concílio. “Falta uma interpretação autêntica dos seus decretos, dos pontos incertos… tal definição foi deixada à mercê das disputas entre teólogos”. O caráter ambíguo dos textos conciliares dá fundamento tanto para a hermenêutica neoterica quanto para aquela tradicional » (R. Amerio, op. cit., p. 88).
E em uma outra observação ele esclarece: « A incerteza do Concílio é admitida até mesmo pelos teólogos mais fieis à Sé Romana que buscam de todos os modos desculpar o mesmo Concílio. Mas é lógico que essa constante necessidade de se explicar as ambigüidades do Concílio já é um claro indício da sua falibilidade e equivocidade». […]
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