Todos os apóstolos, incluindo São Paulo, são judeus que, em
momento algum, pretendiam rejeitar a revelação feita a Israel: Deus é único.
Mas eles foram conduzidos a ver Deus em Jesus, sem confundir Jesus com aquele a
quem Ele chamava de Pai.
Na
afirmação “Jesus é Homem e Deus ao mesmo tempo”, é preciso verificar ambos os
termos: verdadeiramente Homem e verdadeiramente Deus. Atualmente, a humanidade
de Jesus praticamente não é discutida. Mas sua divindade é colocada em dúvida.
Para os que não creem em Deus, parece claro – mas também para os que dizem
“creio em um só Deus”, como os judeus e os muçulmanos.
O
próprio Jesus foi um judeu piedoso e fundou sua Igreja sobre os 12 apóstolos,
todos judeus. Ele nunca contradisse o que está no centro da fé judaica. Mas,
progressivamente, foi dando a conhecer aos seus discípulos que Ele era um com
Aquele a quem chamava de Pai. Pai, Filho e Espírito Santo são um, pela
perfeição de um amor infinito e eterno.
Nos Evangelhos, vemos Jesus
falando e agindo como Deus. Nos milagres, Ele age por si mesmo. Fala com autoridade.
Proclama o perdão dos pecados. Fala ao Pai com intimidade total. Pede que
acreditem nele. Finalmente, diz: “O Pai e eu somos um”.
O
século XX foi uma grande época de renovação bíblica. Foi também, a meados do
século, um tempo em que a Igreja redescobriu suas raízes judaicas. É importante
conhecer o Antigo Testamento para não conceber o Novo de maneira contraditória.
Mas,
ao mesmo tempo, Jesus supera os personagens do Antigo Testamento, inclusive os
maiores. Abraão era o mais perfeito dos crentes, mas não pôde salvar os
habitantes de Sodoma – esses grandes pecadores! Moisés teve de tirar as
sandálias quando Deus se manifestou por meio da sarça ardente. Davi foi o rei a
quem Israel sempre verá com nostalgia, mas também um homem de enganos, de luxúria
e sanguinário.
Jesus
fala e age com a autoridade de Deus. Realiza os milagres por sua própria força,
sem ter de invocar a ajuda de outros. Ele se atreve a ensinar indo muito além
da Lei dada por Deus a Moisés: “Mas eu vos digo...”. Enquanto qualquer homem
piedoso é consciente da distância que o separa de Deus, Jesus se coloca à mesma
altura dele e o chama de Pai, “abbà” – termo insólito no judaísmo,
terrivelmente familiar. Ele proclama não ter pecado, ao mesmo tempo em que
oferece o perdão dos pecados. Pede que o sigam, que creiam nele, pois “o Pai e
eu somos um”.
À
pergunta que fez aos seus discípulos – “Quem dizeis que eu sou?” – não há
muitas respostas possíveis. Um blasfemo? Esta é a razão pela qual o condenaram.
Um iluminado? Mas Ele deu provas de um realismo muito grande. O “Emmanuel”,
Deus conosco, o Filho Único que era um com o Pai e que se fez um de nós: esta é
a resposta de um cristão.
A Igreja, desde a sua origem, teve
de enfrentar duas questões: Jesus é um com o Pai e o Espírito Santo e, ao mesmo
tempo, Jesus é plenamente um de nós.
A
afirmação da fé cristã é tão paradoxal, que a tentação sempre foi a de
“enquadrá-la” dentro de limites mais raciocináveis. Três dos quatro primeiros
concílios ecumênicos protegeram a fé cristã contra estas tentativas de
reducionismo.
Em
Niceia (ano 325), foi dito: Jesus não é nem um super-homem nem um semideus; não
é mais que um com o Pai; é “consubstancial”. Em Éfeso (ano 431), foi dito:
Jesus é indissoluvelmente Homem; por isso, sua Mãe, a Virgem Maria, pode ser chamada
de “Mãe de Deus”. Em Calcedônia (ano 451), foi dito: em Jesus, a realidade
humana e a realidade divina são, ambas, plenas e inteiras: não é metade Deus e
metade Homem. Como isso é possível?
A fé em Jesus, Deus feito Homem,
já não é uma contradição ou algo absurdo, pois o homem foi criado à imagem e
semelhança de Deus. Toda a história bíblica é a de uma aliança, até o anúncio
do Emmanuel, “Deus conosco”: o
profeta não era consciente de que o que dizia era verdade!
Jesus
disse que não veio para abolir, mas para cumprir, para levar à perfeição. Ele
não está em contradição com o Antigo Testamento. Pelo contrário: cumpre os dons
e as promessas.
O
livro do Gênesis nos fala do homem, no vasto universo, criado à imagem e
semelhança de Deus. Certamente, a distância entre Deus e o homem é infinita.
Mas existe, ao mesmo tempo, uma cumplicidade entre Deus e o homem. Por isso, já
desde o jardim do Gênesis, eles podem dialogar. Para Deus, o homem é um
interlocutor.
A
história bíblica, a história sagrada, depois de Abraão, é a de uma aliança
renovada sem cessar, apesar das infidelidades do povo de Israel. Mas o pecado
dos homens não acaba com a inventiva divina – se é que se pode dizer dessa
forma, já que a Bíblia usa muito a linguagem das imagens. Os profetas anunciaram
que Deus interviria pessoalmente, de uma forma ou de outra. Esta forma é a
Encarnação, Jesus, Deus feito Homem, o Verbo feito carne, o perfeito
“Emmanuel”, Deus conosco.
A vocação do homem é entrar na
vida divina, tornar-se filho de Deus. Isso é possível porque Deus se fez Homem:
filho de Maria, descendente de Davi, novo Adão.
Para
o amor, não é preciso buscar razões fora do próprio amor. Por isso, é
importante desconfiar dos raciocínios que procuram explicá-lo: Deus não poderia
ter agido de outra maneira. Mas, a partir do que Deus fez por nós, nós também
podemos descobrir a que somos chamados.
É
disso que se trata: Deus é Amor. “Deus amou tanto o mundo, que lhe entregou o
seu próprio Filho”. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o
extremo” (outra forma de traduzir uma expressão que significa, ao mesmo tempo,
“até o final” e “até a perfeição”).
É
a isso que somos chamados. Os Padres da Igreja disseram com audácia: “Deus se
fez Homem para que os homens se fizessem Deus”. A 1ª Carta de São João diz:
“Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de
Deus! E nós o somos!” (1ª Jo 3, 1). Outro texto do Novo Testamento diz que nós
“participamos da natureza divina”.
Em
Deus, somos semelhantes ao Filho, que recebe e dá a graça. Não somos o Pai,
pois o Pai é a origem. Estamos no Filho, porque Ele se fez um de nós e nos
enviou o Espírito Santo.
Resposta de Dom Jacques Perrier,
antigo bispo de Tarbes e Lourdes
Fonte: Aleteia.org
Nenhum comentário:
Postar um comentário