Segundo a tradição, o adolescente Tarcísio foi
martirizado por um grupo de malvados, enquanto ele levava a Eucaristia aos
cristãos, nos cárceres. O seu martírio deve ter acontecido dia 6 de agosto do
ano 258, depois da Missa celebrada pelo Sumo Pontífice Sisto II, ajudado também
por Tarcísio, que exercia o cargo de acólito.
A ordem do acólito era reservada aos fiéis que
mais de distinguiam pela bondade e pelas virtudes. Este jovem mártir foi
incluído no martirológio romano no dia 15 de agosto, e comemorada a morte no cemitério
de São Calisto.
Martírio de São Tarcísio
Na vigília do dia em que deviam lutar com as
feras, que os dilacerariam, aos católicos era concedida uma maior liberdade. Era
permitido aos amigos das vítimas escolher aqueles que queriam para visitá-los,
e os cristãos aproveitavam sabiamente desta permissão, indo à prisão e recomendando-os
às orações dos benditos seguidores de Cristo.
À tarde, os condenados eram conduzidos à cena
livre, isto é a um abundante e até a um suntuoso banquete público. A mesa era
circundada por pagãos sempre curiosos para ver como se comportariam e que
aspecto assumiriam os combatentes no dia seguinte. Mas não percebiam nos
cristãos nem ostentação insolente, nem a amarga prostração dos condenados
comuns. Para aqueles comensais, o banquete era um verdadeiro ágape ou festa do
amor, já que eles procuravam a verdadeira alegria, e a cena era animada por uma
alegre conversão.
Enquanto os perseguidores preparavam o banquete
material das suas vítimas, a Mãe Igreja preparava um banquete muito mais lauto
para as almas de seus filhos, para enviar à tarde, aos campeões de Cristo, um número
de partícula do Pão da Vida, suficiente para animá-los à manhã do dia destinado
à luta. Quando o Pão Consagrado estava pronto, o celebrante se voltava ao altar,
onde fora colocado a Vítima Santa, para ver a quem devia melhor confiar.
Antes que algum pudesse se oferecer, o jovem
acólito Tarcísio (de 12 anos) se ajoelhou em sua frente, com as mãos postas,
prontas para receber o Sagrado Depósito. Com o seu semblante inspirando
inocência, como aquele de um Anjo, parecia implorar para ser o preferido, ou
melhor, quase que pedindo este direito.
- "Tu és muito jovem", disse o bom
celebrante muito admirado.
- "Padre, a minha juventude será a melhor
proteção.
Oh! Não me negue esta altíssima honra!".
Tinha as lágrimas nos olhos e em sua face era um
róseo de modesta emoção, enquanto pronunciava as palavras. Erguia as mãos com
tanto fervor e a sua oração era tão cheia de paixão e de coragem que o
celebrante não pode resistir.
Tomou os Divinos Mistérios, delicadamente
envolvidos em um pano de linho e depois enrolou outro pano de linho,
depositando entre as suas mãos dizendo:
- "Lembra-te, Tarcísio, este tesouro é
confiado aos teus cuidados. Evita os lugares públicos durante o caminho, e
recorda-te que as coisas santas não são dadas como alimento aos cães, e que as
pérolas não são feitas para os porcos.
Cuidarás fielmente os sagrados dons de
Deus?".
- "Morrerei antes que não compra o meu
dever" - respondeu o santo jovem, colocando junto a si o alimento divino,
e com serena reverência se colocou a caminho para cumprir a sua missão.
Transparecia de seu semblante uma graça não
comum aos jovens de sua idade, enquanto enfrentava com passos rápidos pelas
estradas, evitando os pontos mais freqüentados e aqueles mais desertos.
Quando estava perto dos portões de um grande
palácio, a proprietária, uma rica matrona sem filhos, o viu e ficou fascinada
pela sua beleza e pela doçura do seu semblante, enquanto ele se apressava pelo
caminho com os braços cruzados.
- "Espere um momento, caro filho, disse, interceptando
lhe os passos - quem és? Diga-me, e quem são os teus pais?".
- "Meu nome é Tarcisio e sou órfão,
respondeu levantando os olhos sorridentes - não tenho casa, a não ser uma que
talvez te desagrade em eu dizer".
- "Então vem repousar na minha casa; tenho
muito do que falar. Oh! Se tivesse também um filho como tu!".
- "Agora não posso, senhora, agora não!
Confiaram a mim uma sublime e sacra missão e não posso perder um minuto, antes
de tê-la executada".
- "Então me prometa de vir amanhã. Olha,
esta é a minha casa".
- "Se estiver vivo, virei certamente",
disse o jovem.
Ela o seguiu um pouco com seu olhar e depois de
haver refletido, e o seguiu.
Em seguida escutou um grande estrondo
interrompido por bandos de insolentes, e ela parou até que ficou tudo em
silêncio; depois retomou o seu caminho. Entretanto, Tarcisio, absorto nos mais
altos pensamentos, não pensava em riquezas que lhe foram propostas pela
senhora, não trocaria o Real Tesouro pelos bens materiais como fazem muitos. Tinha
apertado o passo e estava perto de uma praça, onde alguns rapazes estavam
jogando, recém-saídos da escola.
- "Falta mesmo um rapaz para o nosso jogo. Onde
o encontraremos?", disse o chefe.
- "Oh! olha que combinação", exclamou
outro - Eis Tarcisio, que não o vemos há muito tempo. Antes era ótimo em toda
espécie de jogo.
"Vem, Tarcísio", continuo
apertando-lhe o braço
- "Aonde vai com tanta pressa? Vem jogar
conosco! Seja bom!".
- "Não posso agora, Petílio; não posso
mesmo! Tenho uma grande e importante tarefa a cumprir".
- "E então virás à força" - disse
aquele que havia falado por primeiro; um rapaz grande, estúpido e prepotente,
que logo se colocou sobre Tarcísio. "Sabe que não admito réplica quando
quero alguma coisa. Venha logo fazer parte do nosso jogo!".
"Te suplico" - disse o pobre menino,
"deixa-me continuar meu caminho!".
"Nada disso" - rebateu o outro - Mas o
que tens aí de tão precioso para levar com tanto cuidado? Será uma carta? Não
tem importância se chegar ao seu destino, meia hora depois. “Dê para mim que
guardarei com segurança até que terminemos de jogar”. E estendeu a mão para
tirar dele sacro depósito.
- "Não, não" - disse o jovem, elevando
os olhos para o céu.
- "Então quero ver de que se trata" -
insiste o outro em tom brusco - "quero saber em que consiste este teu precioso
segredo" e começou a maltratá-lo.
E logo se reuniu um grupo de curiosos,
perguntando do que se tratava. Viram Tarcísio que, com os braços cruzados,
parecia animado por uma força sobrenatural para poder resistir a um rapaz muito
mais alto e mais forte do que ele, o qual queria ver o que Tarcísio levava no
peito. Parecia que sua força, seus empurrões, pontapés, não produzissem algum
efeito. O pobrezinho suportava tudo sem murmurar, sem a mínima tentativa de
reação. Mas resistia corajosamente.
- "Mas o que é, de que se trata?",
perguntavam os presentes.
Quando, por acaso, si viu passar por ali Fulvio
e se ouviu um ajuntamento de curiosos em torno dos dois combatentes. Logo
reconheceu Tarcísio, tendo-o visto na festa da administração das Ordens Sacras.
Quando algum do bando vendo-o vestido melhor que os outros, fez a mesma
pergunta, respondeu em tom de desprezo, voltando-se a todos:
- "O que é? Não estão vendo? É um burro
cristão que leva os Mistérios. Não há necessidade de mais nada".
Fúlvio, que não queria perder a jogada tão
mesquinha, soube bem o efeito que as suas palavras tinham produzido. A
curiosidade pagã de ver desvelados os Mistérios cristãos e a querer conduzir os
ultrajes eram fomentados naquelas ações, e agora todos a uma voz pediram a
Tarcísio para entregar o que tinha
guardado.
- "Nunca, até eu esteja vivo", foi a
única resposta.
Um operário lhe deu um tremendo soco, que o
estonteou e o sangue começou a correr. Segui uma verdadeira tempestade de
pancadas, até que pisado e maltratado, mas com os braços sempre apertando ao
peito, o rapaz caiu por terra. O bando foi contra ele, e houve quem,
agarrando-o, estava já para tirar-lhe o tesouro, quando os assaltantes sentiram
um empurrão à direita e à esquerda de dois poderosos braços.
Do grupo dos malvados, uns corriam até o final
da praça, outros pulavam muros até caírem por terra, e os outros retrocederam
na frente de um centurião de forma atlética, que foi a causa de uma rápida
mudança da cena. Apenas tinham desocupado o terreno, ele se ajoelhou diante do
jovenzinho e com os olhos cheios de lágrimas, levantou o corpo maltratado e
desmaiado, com a ternura de uma mãe, e lhe pediu com a voz muito tenra:
- "Te fizeram muito mal, Tarcisio?".
- "Não pense a mim, Quadrato", disse o
rapaz, abrindo os olhos e sorrindo - "eu carrego os Sagrados Mistério,
tome aos teus cuidados".
O soldado tomou o braço do rapaz com profunda
reverência. Era como se levasse não só a doce vítima de um sacrifício jovem e as
relíquias de um mártir, mas o mesmo Rei e Senhor dos Mártires e a mesma Divina
Vitima da salvação eterna.
O rapaz apoiou confiante a cabeça nos ombros do
robusto soldado, sem diminuir um só instante o aperto fiel ao tesouro. O
soldado não sentia peso algum do duplo fardo bendito.
Ninguém ousou impedir-lhe o passo, até que uma
senhora foi ao encontro, olhando maravilhada. Foi bem perto e observou
atentamente o rapaz que ele apertava entre os braços.
- "Não é possível! Exclamou aterrorizada -
Este é o Tarcísio, o rapaz que vi há pouco, tão belo e gentil?
Quem o reduziu a este estado?".
- "Senhora, disse Quadrato - queriam
matá-lo porque era cristão".
A mulher olhou um instante o semblante do
jovenzinho, que abriu os olhos, sorriu e expirou. Daquele olhar emanou um raio
de fé. E ela se fez logo cristã.
O venerável Dionísio, com os olhos velados de
lágrimas, removeu as mãos do jovem e tirou o Santo dos Santos. Parecia a ele
que agora Tarcísio se assemelhasse mais a um anjo, dormindo o sono dos
mártires, não como antes, quando estava ainda vivo. Quadrato mesmo levou seu
corpo mortal ao cemitério de Calisto, onde a vítima foi sepultada entre a admiração
dos seus companheiros de fé mais velhos do que ele.
Depois o Santo Papa Damaso compôs uma inscrição:
“Enquanto um criminoso grupo de fanáticos se
atirava sobre Tarcisio que levava a Eucaristia, o jovem preferiu perder a vida
antes que deixar aos raivosos o Corpo de Cristo", para profaná-la.
A notícia de tudo o que aconteceu chegou aos
prisioneiros somente depois do banquete. Talvez o medo de serem privados do
alimento espiritual que lhes daria força, foi o único motivo de perturbação,
mesmo se leve, da serenidade deles. Naquele instante entrou Sebastião e se deu
por conta que uma desagradável notícia havia chegado aos cristãos e percebeu do
que se tratasse. Infundiu então coragem aqueles seguidores de Cristo.
"E assegurou-lhes que não seriam privados
do alimento suspirado".
São Tarcísio, jovem mártir da
Eucaristia, rogai por nós.
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