Segundo o Doutor Angélico, o oficio
próprio do demônio é tentar. No entanto, imediatamente acrescenta que nem todas
as tentações que os homens padecem procedem do demônio, há as que têm sua origem
na própria concupiscência, como diz o apóstolo Tiago: “Cada um
é tentado pela sua própria concupiscência, que o atrai e alicia” (São
Tiago 1,14).
Contudo, é certo que muitos tentações procedem do demônio, que é
con duzido por sua inveja contra homem e seu orgulho contra Deus. Consta
expressamente na revelação divina: “Revesti-vos
da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio; pois não
é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados
e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças
espirituais do mal nos ares” (Efésios 6,11-12). E São Pedro compara o demônio
a um leão enfurecido que anda dando voltas em torno de nos, desejando
devorar-nos (I São Pedro 5,8).
Não existe uma regra fixa ou
sinal claro para distinguir quando a tentação procede do demônio ou de outras
causas. No entanto, quando a tentação é repentina, violenta e tenaz; quando não
houve nenhuma causa próxima nem remota que possa produzi-la; quando causa
profunda perturbação na alma ou sugere o desejo de coisas maravilhosas ou
espetaculares, ou incita a desconfiar dos superiores ou a não comunicar nada do
que acontece ao diretor espiritual; pode se tratar bem tudo isso de uma intervenção
mais ou menos direta do demônio.
Deus não tenta nunca a ninguém incitando-o
ao mal (Tiago 1,13). Quando Escritura fala das tentações de Deus, usa a palavra
"tentação” em seu sentido amplo, como um simples experimento de uma coisa –
tentare, id est, experimentum semure de aliquo
– e não com relação à ciência divina (que sabe tudo), mas sim em relação ao
conhecimento e proveito do próprio homem. Mas Deus permite que sejamos
incitados ao mal por nossos inimigos espirituais para dar-nos oportunidade de
obter maiores merecimentos. Jamais permitira que sejamos tentados além de
nossas forças: “Deus é fiel: não
permitirá que sejais tentados além das vossas forças, mas com a tentação ele
vos dará os meios de suportá-la e sairdes dela” (1 Coríntios 10,13 ). São inumeráveis
as vantagens da tentação vencida com a graça e ajuda de Deus. Porque humilha Satanás,
faz resplandecer a glória Deus, purifica nossas almas, enchendo-as de
humildade, arrependimento e confiança no auxílio divino; obriga-nos a estar
sempre vigilantes e alerta, a desconfiar de nós mesmos, esperando tudo de Deus,
mortificar os nossos gostos e caprichos; incita à oração, aumenta nossa
experiência e nos torna mais circunspectos e cautelosos na luta contra nossos
inimigos. Com razão São Tiago diz que é “bem-aventurado
o homem que suporta a tentação, porque, depois de sofrer a provação, receberá a
coroa da vida que Deus prometeu aos que o amam” (São Tiago 1,12). Mas para
obter todas estas vantagens é mister praticar a luta com o fim de obter a
vitória com o auxilio de Deus. Para isso Ele nos ajudará muito a conhecer a
estratégia do diabo e a forma de reagir conta ela.
Psicologia
da Tentação
Talvez em nenhuma outra página
inspirada apareça com tanta transparência e claridade a estratégia sacada pelo demônio
em seu oficio de tentador como o relato impressionante da tentação da tentação
da primeira mulher, que causou a ruína de toda humanidade. Examinemos o relato
bíblico, deduzindo os seus ensinamentos mais importantes.
a)
O tentador se aproxima – Nem sempre o temos ao nosso lado. Alguns Santos Padres e teólogos acreditam que ao lado
do anjo da guarda, delegado por Deus para o nosso bem, todos nós temos um
demônio, designado por Satanás para nos tentar e nos empurrar para mal, mas
esta suposição não pode apoia-se em nenhum texto da Sagrada Escritura
totalmente claro e indiscutível. Parece mais provável que a presença do demônio
ao nosso lado não é permanente e contínua, mas sim circunscrita aos momentos da
tentação. Isso parece se depreender de certos relatos bíblicos, sobretudo as
tentações do Senhor no deserto, as quais terminadas o texto sagrado diz expressamente
que o demônio se afastou d’Ele por certo tempo: “diabolus recessit ab illo usque ad tempus” (São Lucas 4,13). Mas,
embora às vezes se afaste de nós, o certo é que outras muitas vezes o demônio
nos tenta. Embora muitas vezes se lance repentinamente ao ataque sem prévia
preparação – com o fim de surpreender a alma – outras muitas, no entanto, se
insinua cautelosamente, não propondo em seguida o objeto de tentação, mas sim envolvendo
em diálogo a alma.
b)
Primeira insinuação – “É
verdade que Deus vos proibiu comer do fruto de toda árvore do jardim?”
O demônio ainda não tenta, mas leva
a conversa ao terreno que lhe convém. Sua tática continua sendo a mesma hoje
como sempre. As pessoas particularmente inclinadas a sensualidade ou as dúvidas
contra fé sugerirá em termos gerais e sem incita-las ainda mal, o problema da
religião ou da pureza. “Realmente Deus exige
o assentimento cego de vossa inteligência ou a total imolação de seus apetites
naturais?”
c)
A resposta da alma – Se a alma, percebendo que a simples abordagem
do problema representa para ela um perigo, se recusar a dialogar com o tentador
– direcionando, por exemplo, seus pensamentos e imaginação a outros assuntos
completamente alheios - a tentação é estrangulada ainda na preparação e vitória
obtida é tão fácil como redundante: o tentador se retira envergonhado ante olímpico
desprezo. Mas se a alma imprudentemente aceitar o diálogo com o tentador, se expõem
grande perigo de sucumbir:
“A mulher respondeu-lhe: Podemos
comer do fruto das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio
do jardim, Deus disse: Vós não comereis dele, nem o tocareis, para que não
morrais”.
A alma se da conta de que Deus lhe
proíbe terminantemente realizar aquela que ação, entreter-se naquela duvida,
fomentar aquele pensamento ou alimentar aquele desejo. Não quer desobedecer a
Deus, mas está perdendo tempo recordando que não deve fazer isso. Muito mais
simples seria não haver chegado sequer a ter que recordar seus deveres morais, estrangulando
a tentação em seu inicio e não se preocupando sequer a ponderar as razões pelas
quais deve fazer aquilo assim!
d)
A proposta direta ao pecado – A alma deu terreno ao inimigo, e este
ganha força e audácia para tentar o ataque direto:
“Oh,
não! – tornou a serpente – vós não morrereis! Mas Deus bem sabe que, no dia em
que dele comerdes, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus, conhecedores do
bem e do mal”.
O demônio apresenta um panorama
deslumbrante. Por trás do pecado se encontra uma felicidade inefável. Ele não
sugere a alma o pensamento de que "sereis
como Deus" – esta utopia só pôde apresentar uma vez – mas lhe diz que será
feliz se se entregar ao pecado novamente. “Em
todo caso – ele acrescenta – Deus é
infinitamente misericordioso e perdoara com facilidade. Goza uma vez mais do
fruto proibido. Nenhum mal te acontecerá. Não tem a experiência de outras vezes?
Enquanto desfruta, que coisa fácil te és sair do pecado pelo arrependimento imediato!”
Se a alma abre seus ouvidos
para estas insinuações diabólicas, está perdida. Em absoluto ainda há tempo para
retroceder – a vontade ainda não deu seu consentimento – mas se não cortar o
ato com energia, estará em gravíssimo perigo de sucumbir. Suas forças vão se debilitando,
as graças de Deus são menos intensas e o pecado vai se apresentando cada vez
mais sugestivo e fascinante.
e)
A hesitação – Escutemos o relato bíblico:
“A mulher, viu que o fruto da árvore era
bom para comer, de agradável aspecto e mui apropriado para alcançar a sabedoria...”
A alma começa a hesitar e perturbar-se
profundamente. O coração bate violentamente dentro do peito. Um estranho nervosismo
se apodera de todo seu ser. Não quer ofender a Deus. Mas, por outro lado, um
panorama tão sedutor se coloca a diante! Inicia-se uma luta muito violenta que
não pode prolongar-se muito tempo. Se a alma em um esforço supremo e sob a influência
de uma graça eficaz, percebe que se fez indigna por sua imprudência, se decide
permanecer fiel à seu dever, será fundamentalmente vencedora, mas com suas forças
abaladas e com um pecado venial em sua consciência (negligência, semi-consentimento,
hesitação diante o mal). Mas na maioria das vezes dará o passo fatal até o
abismo.
f)
O consentimento voluntário – “Tomou
dele, comeu, e o deu dele também ao seu marido, que comeu igualmente”.
A alma sucumbiu plenamente à
tentação. Cometeu o pecado e muitas vezes – por escândalo ou cumplicidade – faz
os demais cometerem também.
g)
A desilusão – “Então
os seus olhos abriram-se; e, vendo que estavam nus, tomaram folhas de figueira,
ligaram-nas e fizeram cintos para si”.
A pobre alma percebe que perdeu
tudo. Está completamente nua diante de Deus: sem a graça santificante, sem as
virtudes infusas, sem os dons do Espírito Santo, sem a habitação amorosa da
Santíssima Trindade, com perda total de todos os méritos feitos à custa de um
enorme esforço ao longo de toda sua vida. Causou um desmoronamento instantâneo de
toda sua vida sobrenatural, e está só, em meio daquela pilha de ruinas, sua
amarga decepção e gargalhada sarcástica do tentador.
h)
A vergonha e o remorso – Imediatamente se faz ouvir, inflexível e
terrível, a voz da consciência que censura o crime cometido:
“Ouviram
Yahweh Deus que passeava no jardim à brisa do dia. Então o homem e a mulher
esconderam-se da presença de Yahweh Deus, entre as árvores do jardim. Yahweh Deus
chamou o Adão: “Adão, onde estás?
Esta mesma pergunta formulada
ao pecador por sua própria consciência, não tem contestação possível. Só cabe
ante ela cair de joelhos e implorar o perdão de Deus pela infidelidade cometida
e aprender com a dolorosa experiência a resistir diante do tentador, desde o
primeiro momento, ou seja, desde a simples apresentação da questão, quando a vitória
é fácil e o triunfo seguro debaixo do olhar amoroso de Deus.
(Royo Marin O.P, Teologia de La
Perfeccion Cristiana , pag. 308-312)
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