— “A
sua misericórdia e a usa ira chegam rapidamente, e em sua ira olha para os
pecadores” (Eclo 5, 7).
Sumário. De dois modos o demônio engana os homens e arrasta muitos consigo ao inferno. Depois do pecado arrasta-os ao desespero, por meio da justiça divina; e antes do pecado excita-os a cometê-lo pela esperança da divina misericórdia. Se quisermos desfazer a arte do inimigo, façamos o contrário: depois do pecado, confiemos na misericórdia divina, mas, antes do pecado, temamos a sua justiça inexorável. Como poderia confiar na misericórdia de Deus quem abusa da mesma misericórdia para o ofender?
I. Diz Santo Agostinho que o demônio engana os homens de dois modos: pelo desespero e pela esperança. Quando o pecador caiu, arrasta-o ao desespero, representando-lhe o rigor da divina justiça; mas antes do pecado, excita-o a cometê-lo pela confiança na divina misericórdia. — Com efeito, será difícil encontrar um pecador tão desesperado que se queira condenar por si próprio. Os pecadores querem pecar, mas sem perderem a esperança de se salvar. Pecam e dizem: Deus é misericordioso; cometerei este pecado e depois irei confessar-me dele. Mas, ó Deus! é assim que falaram tantos que agora estão condenados!
Avisa-nos o Senhor: “Não digas: são grandes as misericórdias de Deus; por muitos pecados que eu cometa, obterei o perdão por um só ato de contrição” (Eclo 5, 6). Não digas assim, avisa-nos Deus; e por quê? Porque a sua misericórdia e a sua justiça vão sempre juntas; e a sua indignação se inflama contra os pecadores impenitentes, que amontoam pecados sobre pecados e abusam da misericórdia para mais pecares: A sua misericórdia e a sua ira chegam rapidamente, e a sua indignação vira-se contra os pecadores. — A misericórdia de Deus é infinita, mas os atos dessa misericórdia são finitos. Deus é misericordioso, mas também é justo. “Eu sou justo e misericordioso”, disse um dia o Senhor a Santa Brígida; “mas os pecadores julgam-me somente misericordioso”.
Não queiramos, escreve São Basílio,
considerar só uma das faces de Deus. E o Bem-aventurado João Ávila acrescenta
que tolerar os que abusam da misericórdia de Deus, para mais o ofenderem, não
seria mais ato de misericórdia, mas falta de justiça. A misericórdia é
prometida ao que teme a Deus, não ao que dela abusa: Et misericordia eius timentibus eum (Luc 1, 50). A justiça ameaça
os pecadores obstinados; e assim como Deus, observa Santo Agostinho, não falta
às suas promessas, tão pouco faltará a suas ameaças.
II. Meu irmão,
escuta o belo conselho que te dá Santo Agostinho: Post peccatum spera misericordiam. Depois do pecado, confia na
misericórdia de Deus; mas antes do pecado, receia a sua terrível justiça: Ante peccatum pertimesce iustitiam. Sim,
porque é indigno da misericórdia de Deus quem dela abusa para o ofender.
Aquele que ofende a justiça, diz Afonso Tostato, pode recorrer à misericórdia;
mas a quem poderá recorrer o que ofende a própria misericórdia? Seria zombar de
Deus querer continuar a ofendê-lo e desejar depois o paraíso. Avisa-nos, porém,
São Paulo, que Deus não consente que zombemos dele: Deus non irridetur (Gal 6, 7).
Ah, meu Jesus, eu sou um daqueles que Vos
ofenderam, porque Vós éreis tão bom. Esperai, Senhor, não me abandoneis ainda,
já que pela vossa graça espero nunca mais dar-Vos motivo para que me
abandoneis. Pesa-me, ó bondade infinita, de Vos ter ofendido e abusado tanto da
vossa paciência. Graças Vos dou por me terdes esperado até agora. No futuro,
não mais Vos quero trair como no passado.
Vós me suportastes tanto tempo, afim de me
verdes um dia cativo amorosamente da vossa bondade. Esse dia já chegou, como
espero. Amo-Vos, ó bondade infinita. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas; estimo
a vossa graça mais que todos os reinos do mundo; antes perder mil vezes a vida
que perder a vossa afeição. — Meu Deus, pelo amor de Jesus Cristo, dai-me, com
o vosso amor, a santa perseverança até à morte. Não consintais que eu torne a
trair-Vos, e deixe jamais de Vos amar. — Ó
Maria, sois a minha esperança; obtende-me a perseverança e nada mais vos peço. (*II
76.)
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Santo Afonso
Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo
Terceiro: desde a duodécima semana depois de Pentecostes até ao fim do ano
eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p.81-83.
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