Contentar-se com o dever presente, colocar nele, para cumpri-lo perfeitamente, toda sua atenção e toda sua energia, animá-lo pela intenção do amor divino, tal é a tarefa da alma que quer chegar à santidade. Cada instante assim utilizado lhe faz alcançar, no momento preciso, toda perfeição de que ela é capaz. De então em diante, não lhe resta outro dever a cumprir senão o de continuar sem descanso, até ao fim, seu trabalho. É aqui precisamente, porém, que as almas não advertidas encontram um grande perigo. Quase todas querem ser santas no fim de alguns anos de esforços. Se o resultado não corresponde às suas esperanças, desolam-se e correm risco de tudo abandonar.
Estas almas negligenciam na sua santificação um elemento pouco apreciado, porém indispensável, isto é, o tempo.
Deus sabe o número de anos que temos a passar sobre a terra; conhece tambem o grau de santidade que devemos adquirir. Deixemos a Ele o cuidado de nos santificar antes de nossa morte. Contentemo-nos em servi-lO no momento presente, em amá-lO ardentemente, apaixonadamente.
Ponhamos todo nosso ardor em nossos atos. Deliciemo-nos em nos enraizar cada vez mais nEle e depois... abandonemos a Ele tudo o mais. Ele é nosso Pai, quer verdadeiramente se encarregar dos interesses de Seus filhos.
A menos que Deus intervenha de modo particular, o trabalho de nossa santificação não se fará na medida de nossos impacientes desejos.
A santidade é a orientação de toda vida para Deus; são todas as faculdades dispersas sobre as criaturas a reconduzir para Ele; é a inclinação de todo o homem para o sensível a transformar e a mudar em uma tendência constante para Deus, que é um puro Espírito; são inumeráveis apegos secretos às criaturas e a si mesmo a romper um a um; é um domínio pacifico da vontade a estabelecer sobre paixões impacientes do jugo; é, enfim, uma infinidade de ações quotidianas a impregnar da intenção do puro amor de Deus. Semelhante metamorfose não se opera geralmente em alguns anos.
Nos momentos de fervor e de estreita união com Deus, a alma pode bem sentir-se toda dEle e crer terminada a feliz transformação de todo seu ser, mas a triste experiência faz, com que ela volte bem cedo à realidade. Depois de suas ardentes orações, ela se encontra novamente natural, apegada a suas comodidades, frouxa e pusilânime. A alma admira-se de que, sendo tão imperfeita, Deus tenha podido favorecê-la com Suas caricias; concebe indignação contra si mesma; desanima. Contudo, nada é mais natural do que a conduta de Deus.
A alma está em marcha para a santidade; no momento presente, ela põe ao serviço de Deus toda soma de boa vontade de que dispõe, e, por seu lado, Deus mostra-Se satisfeito com seus esforços, e a favorece com Suas comunicações.
Mestre hábil na direção das almas, Ele sabe que, por momentos, elas têm necessidade de repouso durante a rude ascensão para o ideal e dá-lhes oportunidades de experimentarem, de tempos a tempos, Sua doce presença.
Mais tarde, tratá-las-á como almas perfeitas, fá-las-á assentarem-se à Sua mesa e introduzi-las-á definitivamente na Sua intimidade.
A alma deve, pois, ter paciência, confiança em Deus. O que não podem fazer seu ardor e mesmo sua fidelidade ao momento presente, o que não quer fazer, em regra geral, Deus, Ele mesmo, por um socorro especial, ela o obterá com o tempo e graças ao tempo. Deus assim o deseja: é com este fim que Ele a deixa sobre a terra. O tempo, este precioso auxiliar, conduzi-la-á infalivelmente à santidade, contanto que ela permaneça fiel ao dever presente.
Nossa vida compõe-se de uma infinidade de pequenos atos sem aparência exterior e quase imperceptíveis. A santidade é fruto destes atos; não se conquista por meio das ações brilhantes. Estas, entretanto, não nos são proibidas.
Devemos santificar-nos, pouco mais ou menos, como aprendemos a falar, escrever e ler. Quantos milhões de atos foram precisos para alcançar este resultado.
Contai, se podeis, aqueles que se fazem lendo um livro: Ato de percepção visual de cada letra, de cada palavra, de cada frase; atos correspondentes dos sentidos interiores para registrar e completar cada uma destas percepções; em seguida atos de formação de cada noção, de cada juízo, de cada raciocínio; atos de memória, de comparação dos conceitos, de juízos e de idéias.
Estendei este exemplo a todas as ocupações de um dia, de uma semana, de um ano, de uma vida, e chegareis a um conjunto de atos, cujo número desafia todo cálculo.
Entretanto, graças a esta constante aplicação, o homem pode assimilar uma multidão de conhecimentos e levar a bom termo empresas consideráveis. O mesmo acontece na vida espiritual. A vida de uma alma justa é um encadeamento de pequenos atos de virtude, que ela multiplica sem se aperceber graças à intenção virtual. Cada momento consagrado ao dever contém um novo mérito, um novo grau do amor de Deus.
Imaginai, se podeis, o que semelhante alma acumula de atos meritórios em um só dia, em um só ano, sobretudo, se ela é cuidadosa em dar à intenção toda pureza, toda intensidade.
Ajuntai a isto a ação incessante da graça, que trabalha esta alma, que a desapega da criatura e dela própria, que a transforma, sem ela o saber, que a orna de virtudes, que lhe instila gota a gota a divina Caridade, que a enraíza sem cessar cada vez mais no Cristo, que a habilita a viver com Deus, e concordareis que a alma se acha na feliz impossibilidade de não atingir a santidade.
Estes progressos contínuos escapam habitualmente ao olhar da alma. A ação que a transforma é demasiado sutil para ser perceptível.
Todavia, a certos momentos, ela nota que tal defeito, há tanto tempo combatido, desapareceu subitamente; que tal virtude, tão ardentemente desejada e pedida, veio tomar seu lugar; que suas relações com o divino Mestre tomaram um caráter de mais franca intimidade; que as preocupações passadas não exercem mais sobre ela sua tirânica influência.
São indícios verdadeiros de uma lenta, mas segura transformação. Todavia, mesmo na falta de provas palpáveis, saberíamos que a santificação deve operar-se assim. Os atos sem cessar repetidos produzem em nossas faculdades hábitos sempre mais poderosos, enraízam sempre mais profundamente em nós as virtudes infusas com a divina Caridade.
Possam estas poucas considerações moderar o ardor das almas inquietas, impacientes de chegar ao termo, e ensinar-lhes que nada de considerável se faz aqui na terra, mesmo na vida espiritual, sem o precioso concurso do tempo!
Uma virtude demasiadamente precoce é sempre suspeita aos olhos dos diretores espirituais. Talvez em aparência bela, é raramente sólida. Ao primeiro contato com as dificuldades reais da vida ela se quebra. É um fruto antecipadamente amadurecido, muitas vezes um verme oculto o rói.
Acompanhemos o passo de Deus e tenhamos paciência. Saibamos esperar seu momento; chegaremos seguramente à santidade. Não nos inquietemos a respeito da parte que Deus reservou para Si na obra de nossa perfeição. A nossa resume-se na fidelidade ao dever presente e no abandono ao nosso Pai celeste: Jacta super Dominum curam iuam et ipse te enutriet (Ps 54, 23).
(A Boa Vontade pelo Padre José Schrijvers C.SS.R, 1937)
Extraido:http://a-grande-guerra.blogspot.com/2012/02/o-tempo.html
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