quinta-feira, 7 de junho de 2012

Primado do Papa - Sobre o Poder dos Bispos e o Supremo Entre Eles




1. A transmissão de todas as ordens é feita por determinado sacramento e os sacramentos da Igreja são dispensados pelos ministros da Igreja. Por isso, é preciso haver na Igreja um poder de ministério mais elevado que confira o sacramento da Ordem. Esse poder é o poder episcopal. Embora, quanto à consagração do Corpo de Cristo ele não exceda o poder sacerdotal, contudo o excede naquilo que é atinente aos fiéis. Ora, o próprio poder sacerdotal deriva do episcopal, e tudo que de árduo se deva fazer em relação ao povo é reservado aos bispos, e também é pela autoridade deles que os sacerdotes podem fazer o que lhes é confiado. Por isso, os sacerdotes, nas suas tarefas, usam de coisas consagradas pelos bispos. Assim é que, por exemplo, na consagração da Eucaristia usam o cálice, o altar e a pala consagrada pelo bispo. Assim, pois, fica demonstrado que o auge do regime do povo fiel pertence à dignidade episcopal.


2. É manifesto que o povo está distribuído pelas dioceses e cidades, mas como só há uma Igreja, também só há um povo cristão. E assim como para determinado povo de uma igreja se requer um bispo, também para todo o povo cristão se requer um bispo que seja a cabeça de toda a Igreja.

3. Além disso, exige a unidade da Igreja que todos os fiéis sejam concordes na fé. Ora, nas coisas da fé, acontece que devem ser solucionadas dúvidas, mas a Igreja se dividiria por causa da diversidade de sentenças, a não ser que seja conservada na unidade pela sentença de um só. Por conseguinte, para a conservação da unidade da Igreja é exigido que um só presida toda a Igreja. Ora, é manifesto que Cristo não desampara a Igreja nas questões necessárias, pois ele a amou, por ela derramou o seu sangue, e também porque incluindo a Sinagoga, o Senhor disse: “Que mais poderia fazer pela minha vinha que não fiz?” (Is V, 4). Logo, não se deve duvidar que por ordem de Cristo um só preside toda a Igreja.

4. Além disso, não há dúvida alguma de que o regime da Igreja é otimamente ordenado, por ser disposto por aquele por quem “os reis reinam e os juízes distribuem a justiça” (Pr VIII, 15). É ótimo o regime político quando o povo é governado por um só, e isto se depreende da finalidade do regime político que é a paz, pois a paz e a união dos súditos é a finalidade da ação dos governantes. Ora, um só consegue melhor a paz do que muitos. Por isso, o regime da Igreja foi disposto de modo que um só presida toda a Igreja.

5. Além disso, a Igreja militante vem da triunfante e a ela se assemelha. Por isso, diz João: “Vi a Jerusalém vindo do céu” (Ap XXI, 2). Foi também dito a Moisés que tudo fizesse “segundo o exemplar que lhe fora mostrado no monte” (Ex XXV, 40). Ora, um só Deus preside a Igreja triunfante, ele que também preside todo o universo, pois está escrito: “Eles serão o seu povo e o mesmo Deus estará com eles” (Ap XXI, 3). Por isso, também um só preside a Igreja em tudo. Daí Oséias dizer: “Unir-se-ão juntamente os filhos de Judá e de Israel, e estabelecerão uma só cabeça” (Os I, 11). E disse também o Senhor: “Haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo X, 16).

6. Se alguém, porém, disser que Cristo é a única cabeça e o único pastor, ele que é o único esposo de uma só Igreja, não se expressa suficientemente. É evidente que Cristo perfaz todos os sacramentos da Igreja: ele batiza, ele perdoa os pecados, ele é o verdadeiro sacerdote que se ofereceu no altar da Cruz, em virtude da qual o seu Corpo é diariamente consagrado no altar. No entanto, como no futuro não estaria corporalmente presente aos fiéis, escolheu os ministros pelos quais dispensaria os sacramentos àqueles (...). E assim, pelo mesmo motivo de haver de retirar a sua presença corpórea da Igreja, foi conveniente que confiasse a alguém o governo da Igreja universal e que este a governasse em seu lugar. E foi justamente a isso que se referiu quando, antes da Ascensão, disse a Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo XXI, 17); e antes da Paixão: “Tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc XXII, 32). E só a Pedro prometeu: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus” (Mt XVI, 19). Tudo isso foi dito para mostrar que o poder das chaves deverá ser transferido dele para os outros, para a conservação da unidade da Igreja.

7. Porém, não se pode dizer que, embora tenha dado essa dignidade a Pedro, ela não se estendesse aos outros. Ora, Cristo instituiu a Igreja para que ela dure até os fins dos tempos, segundo se lê: “Sobre o trono de Davi e sobre o seu reino assentar-se-á, para firmá-lo e consolidá-lo no direito e na justiça, desde então e para sempre” (Is IX, 7). Disso se depreende que constituiu ministros seus os que então viviam, para que, em vista da utilidade da Igreja, o poder fosse transmitido aos pósteros até o fim dos séculos, até porque também dissera: “Eis que estarei convosco até a consumação dos séculos” (Mt XXVIII, 20).

8. Pelo exposto acima fica refutado o erro presunçoso de alguns que procuram eximir-se da obediência e da submissão a Pedro, não reconhecendo o Romano Pontífice como sucessor de Pedro e como Pastor da Igreja Universal.

(Suma contra os Gentios, Livro IV, Cap.LXXVI)


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