1. A transmissão de todas as ordens é feita por
determinado sacramento e os sacramentos da Igreja são dispensados pelos
ministros da Igreja. Por isso, é preciso haver na Igreja um poder de ministério
mais elevado que confira o sacramento da Ordem. Esse poder é o poder episcopal.
Embora, quanto à consagração do Corpo de Cristo ele não exceda o poder
sacerdotal, contudo o excede naquilo que é atinente aos fiéis. Ora, o próprio
poder sacerdotal deriva do episcopal, e tudo que de árduo se deva fazer em
relação ao povo é reservado aos bispos, e também é pela autoridade deles que os
sacerdotes podem fazer o que lhes é confiado. Por isso, os sacerdotes, nas suas
tarefas, usam de coisas consagradas pelos bispos. Assim é que, por exemplo, na
consagração da Eucaristia usam o cálice, o altar e a pala consagrada pelo
bispo. Assim, pois, fica demonstrado que o auge do regime do povo fiel pertence
à dignidade episcopal.
2. É manifesto que o povo está distribuído pelas
dioceses e cidades, mas como só há uma Igreja, também só há um povo cristão. E
assim como para determinado povo de uma igreja se requer um bispo, também para
todo o povo cristão se requer um bispo que seja a cabeça de toda a Igreja.
3. Além disso, exige a unidade da Igreja que todos
os fiéis sejam concordes na fé. Ora, nas coisas da fé, acontece que devem ser
solucionadas dúvidas, mas a Igreja se dividiria por causa da diversidade de
sentenças, a não ser que seja conservada na unidade pela sentença de um só. Por
conseguinte, para a conservação da unidade da Igreja é exigido que um só
presida toda a Igreja. Ora, é manifesto que Cristo não desampara a Igreja nas
questões necessárias, pois ele a amou, por ela derramou o seu sangue, e também
porque incluindo a Sinagoga, o Senhor disse: “Que mais poderia fazer pela minha
vinha que não fiz?” (Is V, 4). Logo, não se deve duvidar que por ordem de
Cristo um só preside toda a Igreja.
4. Além disso, não há dúvida alguma de que o regime
da Igreja é otimamente ordenado, por ser disposto por aquele por quem “os reis
reinam e os juízes distribuem a justiça” (Pr VIII, 15). É ótimo o regime
político quando o povo é governado por um só, e isto se depreende da finalidade
do regime político que é a paz, pois a paz e a união dos súditos é a finalidade
da ação dos governantes. Ora, um só consegue melhor a paz do que muitos. Por
isso, o regime da Igreja foi disposto de modo que um só presida toda a
Igreja.
5. Além disso, a Igreja militante vem da triunfante
e a ela se assemelha. Por isso, diz João: “Vi a Jerusalém vindo do céu” (Ap
XXI, 2). Foi também dito a Moisés que tudo fizesse “segundo o exemplar que lhe
fora mostrado no monte” (Ex XXV, 40). Ora, um só Deus preside a Igreja
triunfante, ele que também preside todo o universo, pois está escrito: “Eles
serão o seu povo e o mesmo Deus estará com eles” (Ap XXI, 3). Por isso,
também um só preside a Igreja em tudo. Daí Oséias dizer: “Unir-se-ão
juntamente os filhos de Judá e de Israel, e estabelecerão uma só cabeça” (Os I,
11). E disse também o Senhor: “Haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo X, 16).
6. Se alguém, porém, disser que Cristo é a única
cabeça e o único pastor, ele que é o único esposo de uma só Igreja, não se
expressa suficientemente. É evidente que Cristo perfaz todos os sacramentos da
Igreja: ele batiza, ele perdoa os pecados, ele é o verdadeiro sacerdote que se
ofereceu no altar da Cruz, em virtude da qual o seu Corpo é diariamente
consagrado no altar. No entanto, como no futuro não estaria corporalmente
presente aos fiéis, escolheu os ministros pelos quais dispensaria os
sacramentos àqueles (...). E assim, pelo mesmo motivo de haver de retirar a sua
presença corpórea da Igreja, foi conveniente que confiasse a alguém o governo
da Igreja universal e que este a governasse em seu lugar. E foi justamente a
isso que se referiu quando, antes da Ascensão, disse a Pedro: “Apascenta
as minhas ovelhas” (Jo XXI, 17); e antes da Paixão: “Tu, uma vez convertido,
confirma os teus irmãos” (Lc XXII, 32). E só a Pedro prometeu: “Dar-te-ei as
chaves do reino dos céus” (Mt XVI, 19). Tudo isso foi dito para mostrar que
o poder das chaves deverá ser transferido dele para os outros, para a
conservação da unidade da Igreja.
7. Porém, não se pode dizer que, embora tenha dado
essa dignidade a Pedro, ela não se estendesse aos outros. Ora, Cristo instituiu
a Igreja para que ela dure até os fins dos tempos, segundo se lê: “Sobre o
trono de Davi e sobre o seu reino assentar-se-á, para firmá-lo e consolidá-lo
no direito e na justiça, desde então e para sempre” (Is IX, 7). Disso se
depreende que constituiu ministros seus os que então viviam, para que, em vista
da utilidade da Igreja, o poder fosse transmitido aos pósteros até o fim dos
séculos, até porque também dissera: “Eis que estarei convosco até a consumação
dos séculos” (Mt XXVIII, 20).
8. Pelo exposto acima fica refutado o erro
presunçoso de alguns que procuram eximir-se da obediência e da submissão a
Pedro, não reconhecendo o Romano Pontífice como sucessor de Pedro e como Pastor
da Igreja Universal.
(Suma contra os
Gentios, Livro IV, Cap.LXXVI)
Nenhum comentário:
Postar um comentário