Luís Carlos Azevedo
Num Domingo de Ramos, dia 18 de março de 1212, uma
jovem, aos dezoito anos de idade, foge da casa de seus pais e se encaminha para
a igrejinha da Porciúncula (na atual basílica de Santa Maria dos Anjos), onde
São Francisco de Assis e seus Frades, em oração, aguardavam sua chegada.
Com
círios acesos, os religiosos saem ao encontro da jovem, então luxuosamente
adornada com seus trajes de fidalga, em direção à porta da igrejinha.
Conduziram-na diante do altar de Nossa Senhora e a uniram para sempre ao seu
Esposo Jesus Cristo. Ali mesmo, em presença de amigas e dos religiosos, São
Francisco lhe corta os belos cabelos loiros. Essa tonsura é sinal de que a
jovem, Clara de Assis, pertence virginalmente a Nosso Senhor.
Após
esse ato, os Frades a acompanham até o mosteiro das Beneditinas de Bastia.
Irredutível resistência à família, por amor à vocação
Entretanto,
os familiares reagem com grande indignação a esta fuga. Mas a Santa não se
entrega, permanecendo irredutível. Quando percebe que a violência está por
prevalecer, agarra com uma mão a toalha do altar e com a outra tira o véu da
cabeça... Aí seus parentes constatam que ela já é de Nosso Senhor, e as
esperanças de demovê-la caem por terra.
Depois
da Páscoa, Santa Clara sai da cidade de Bastia e vai para o mosteiro das
Beneditinas de Sant'Angelo di Ponzo, onde, dezesseis dias depois de sua fuga,
no dia 4 de abril, é alcançada pela sua irmã mais nova, Santa Inês, que também
fugira de casa, querendo firmemente dedicar-se ao serviço de Deus.
A
encantadora cidade de Assis fica em polvorosa e se divide: uns estão a da
família das Santas; outros, das "fugitivas". Desta vez, porém, o pai
está decidido a reaver viva ou morta sua filha mais nova. Doze cavaleiros,
parentes das Santas, invadem sacrilegamente o mosteiro de Sant'Angelo. Um
deles, chamado Monaldo, enfurecido, lança-se sobre Inês a socos e ponta-pés,
arrastando-a pelos longos cabelos, enquanto outros agarram-na pelos braços e
pelas vestes. E lhe infligiram tão desapiedados tratos, que pelo chão ficaram
pedaços da roupa e punhados de cabelos. E assim conduziram-na montanha abaixo.
Santa Inês, contudo, grita pela irmã, a qual se põe a rezar em seu favor.
Então, pela graça de Deus, repentinamente Inês caiu estendida no caminho, e
tornou-se de um peso tal, que os doze homens, nem mesmo com o auxílio de alguns
lavradores, conseguiram arrastá-la.
Mesmo
assim continuaram as crueldades. O tio Monaldo alçou o braço direito para
descarregar um golpe sobre Inês, que bastaria para dar-lhe a morte, se a
houvesse alcançado. No ato de erguer a mão, porém, esta se lhe contraiu, e
assim ficou por bastante tempo. Deixaram então Santa Inês na estrada e fugiram.
Fundação das Clarissas
Alguns
dias após esses fatos, São Francisco de Assis faz uma visita ao mosteiro e
reveste também Santa Inês do hábito da Ordem Segunda Franciscana, consagrando-a
para sempre a Nosso Senhor. E escolhe para ambas as irmãs uma casa definitiva:
a pobre residência da igreja de São Damião, situada fora dos muros de Assis.
Em
pouco tempo, com outras jovens da cidade e de Perúsia, Santa Clara e Santa Inês
formam a primeira comunidade das Irmãs Pobres de São Damião, que passarão a
chamar-se Clarissas, após a morte de Santa Clara de Assis, ocorrida a II de
agosto de 1253.
Refúgio em Perúsia
Em
1198,o povo da comuna de Assis elege os cônsules para administrar a cidade,
derrubando um a um, todos os castelos dos "Maiores". Os Beneditinos
do Monte Subásio acolhem os nobres refugiados... Mas muitos deles fogem de
Assis.
Favorino
Offreducci, pai de Santa Clara, refugia-se com sua família em Perúsia, onde
permanece até 1209. Ao lado de sua mãe, Santa Clara cresce cortês e afável com
todos, dedicando-se à oração e às obras de caridade, criando laços de amizade
com outras meninas também exiladas em Perúsia, algumas das quais haveriam de
acompanhá-la em Religião. Em 1209, Clara está novamente em Assis, onde, após
ouvir uma pregação do grande São Francisco, decide consagrar-se inteiramente a
Deus.
Enfrenta os sarracenos
Frederico
II, Imperador da Alemanha, perjuro, sacrílego e várias vezes excomungado, por
ter sucessivas querelas com diversos Romanos Pontífices, fazia guerra à Igreja
e sobretudo aos religiosos. Para tanto tinha a soldo um exército de sarracenos
com mais de vinte mil soldados, fixado na Itália, e particularmente no vale de
Espoleto, pertencente à Santa Sé, e onde ficava Assis.
Certo
dia do ano de 1243, estando Santa Clara acamada, ouviu suas religiosas em
lágrimas lhe dizer, com grande pavor, que uma tropa de maometanos tinha
invadido o claustro externo da igreja de São Damião e já escalavam as muralhas
do mosteiro. A Santa, sem se espantar, ordenou que a levassem, doente como
estava, à porta do mosteiro bem em face do inimigo.
Ali,
precedida de uma caixinha de prata guarnecida de marfim, contendo o Santíssimo
Sacramento, ela se prosternou, em lágrimas, dizendo a Nosso Senhor Sacramentado
a seguinte oração: "Senhor, guardai Vós estas vossas servas, porque eu não
as posso guardar". Ouviu-se então uma voz de maravilhosa suavidade
dizendo: "Eu te defenderei para sempre". Santa Clara rezou ainda pela
cidade de Assis: "Senhor, que Vos apraza defender também a esta vossa
cidade". E a mesma voz disse: "A cidade sofrerá muitos perigos, mas
será defendida ". Após o que Santa Clara se voltou para as Irmãs, dizendo:
"Não fiquem com medo, porque eu sou a sita garantia de que não vão passar
nenhum mal, nem agora nem no futuro, enquanto se dispuserem a obedecer os
Mandamentos de Deus". Os sarracenos foram embora sem fazer qualquer mal ou
causar prejuízo ao mosteiro e às religiosas.
Aparições do Menino Jesus
Depondo
sob juramento no processo de canonização, a Irmã Francisca de Messer Capitaneo
de Col de Mezzo conta que certa vez viu no colo de Santa Clara, bem junto ao
seu peito, uma criança belíssima, que só de vê-la sentia indizível suavidade e
doçura. E que não tinha a menor dúvida de que se tratava do Menino Jesus.
Em
outra ocasião ainda, julgando as Irmãs que a Santa estava para morrer, chamaram
um sacerdote para dar-lhe a Comunhão. A mesma Irmã Francisca viu sobre a cabeça
da Santa um esplendor muito grande e a Sagrada Eucaristia tinha o aspecto de
uma criança pequena e belíssima. Depois de comungar, Santa Clara disse:
"Foi tão grande o benefício que Deus me fez hoje, que com ele não poderiam
ser comparados o céu e a terra".
Milagres operados por Santa Clara em vida
Em
certa ocasião, como não houvesse mais do que meio pedaço de pão para a refeição
das Irmãs, Santa Clara mandou dividir essa metade em porções para dar às
religiosas. Aquele pedaço multiplicou-se nas mãos da que o partia de tal forma
que deu para cinqüenta porções, suficientes para as Irmãs que já estavam
sentadas à mesa.
Mas a
Santa, além de operar muitos milagres, exerceu também ação exorcística. Como
exemplo, cabe lembrar o caso da mulher de Pisa. Dizia esta que Nosso Senhor,
pelos méritos de Santa Clara a havia libertado de cinco demônios que a
atormentavam, e que. por isso, tinha vindo ao locutório das Irmãs para
agradecer primeiro a Deus e depois à Santa. Ao serem expulsos, afirmou a mulher
que os demônios bradavam: "As orações dessa santa nos queimam".
Milagres após a morte
Depois
de sua morte multiplicaram-se os milagres junto a sua sepultura. Assim, curou
um epiléptico que. ademais, tinha uma das pernas atrofiadas. Ali receberam a
cura integral pessoas cegas, corcundas, aleijadas em geral, possessas e loucas.
Santa Clara escritora
Santa
Clara foi excelente escritora. Tendo recebido em casa uma formação muito boa
para seu tempo, teve o dom de expressar em seus escritos toda a riqueza de seu
pensamento claro, conciso, elegante e principalmente entusiasmado por tudo
quanto dizia respeito a Deus.
O que
se conhece de seus escritos revela uma mulher inteligente e culta, que sabe
muito bem o que quer e o exprime de maneira muito feliz. Dominava bastante bem
o uso do latim, distinguindo-se pela simplicidade, clareza e objetividade.
"Falo com minha própria alma"
Três
dias antes de sua morte, em presença de algumas de suas Irmãs, Santa Clara
encomendou sua própria alma a Deus dizendo: "Vá em paz, porque tens boa
escolta; pois aquele que te criou, previu tua santificação. E, depois que
te criou, infundiu-te o Espírito Santo. E depois te guardou como uma mãe cuida
do seu filho pequenino".
Indagada
a quem dirigia aquelas palavras respondeu: "Falo com a minha alma bendita".
Visita de Nossa Senhora à hora da morte
Às
vésperas da morte de Santa Clara tinha-se a impressão de que a corte celestial
se movimentava para preparar suas honras fúnebres.
A Irmã
Benvinda de dona Diambra de Assis, que a assistia nos últimos momentos, viu de
repente com os olhos reais uma grande multidão de virgens, vestidas de branco,
todas com coroas na cabeça, que entravam pela porta onde jazia Santa Clara.
Entre elas havia uma maior, que excedia tudo quanto se possa imaginar, muito
mais bela e com uma coroa maior na cabeça. Em cima de sua coroa havia um pomo
dourado do qual irradiava tanto esplendor que parecia iluminar todo o recinto.
As
virgens aproximaram-se do leito da Santa, e a Virgem maior foi a primeira a
cobri-la com um pano finíssimo, tão fino que por sua transparência Santa Clara
podia ser vista mesmo coberta com ele. Então a Virgem das virgens inclinou o
seu rosto sobre a Santa e após isso todas desapareceram...
Considerações finais
Quem
ler a Legenda de Santa Clara, escrita por Tomás de Celano, não
se surpreenderá vendo-a cantar tantos louvores à Santa. Escrita por ocasião de
sua canonização, em 1255, era natural que sua tarefa fosse louvá-la
efusivamente.
Entretanto,
é impressionante que o mesmo Celano, ao escrever a primeira biografia de São
Francisco de Assis, em 1228, quando Clara não tinha mais do que 34 anos de
idade (dos sessenta que deveria viver, quarenta e dois dos quais como Abadessa
das Irmãs Pobres de São Damião) já fale dela como de uma santa canonizada:
"Clara.... virgem no corpo e puríssima no coração; jovem em idade mas amadurecida no espírito. Firme na decisão e ardentíssima no amor de Deus. Rica em sabedoria, sobressaiu na humildade. Foi clara de nome, mais clara por sua vida e claríssima em suas virtudes....
"Clara de verdade pela santidade de seus merecimentos ...."
Mas,
quando o Processo de Canonização de Santa Clara foi descoberto, em 1920, é que
se fica sabendo da forte impressão que ela exerceu sobre seus contemporâneos,
desde criança: tanto as irmãs como os leigos que depõem ficam sem palavras para
comentar a santidade dessa mulher que, para eles, "abaixo da Virgem
Maria", não devia ter igual.
Leitor,
se em meio às vicissitudes dos dias atuais, necessitas por ventura de alguma
ajuda muito especial, pede-a a Santa Clara, quem, no Céu, bem junto ao
Imaculado Coração de Maria, rogará também insistentemente por ti!
FONTES DE REFERENCIA
1.Analecta
Francisco, X.
2. J. Cambell, Actus Beati Francisci et
sociorum ejus. Edizioni
Porziuncola, 1988.
3. Bughelti,
OFM, Legenda de Santa Clara, in revista do Archivum Franciscanum
Historicum, 1912.
4. Bula de
Canonização, Clara claris praeclara (1255). in revista do Archivum
Franciscanum Historícum. 1920.
5. Frei
Zeferino Lazzeri, Processo de. Canonização,in revista do Archivum
Franciscanum Historicum,1920. E o manuscrito nº 251, da Coleção Laudau-Finaly,
da Biblioteca Nacional de Florença.
6. M. F. Bccker, J.F. Godet, T. Matura, Claire d'Assise:
Écrits, Paris. Editions du Cerf, 1985.
7.
Omaechevarria, Escritos de Santa Clara, BAC, Madrid, 1982.
8. Frei José
Carlos Corrêa Pedroso, OFMCap, Fontes Clarianas, Vozes, Petrópolis.
Fonte: Catolicismo
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