quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Santiago Matamouros




As proporções que a devoção a Santiago de Compostela tomou em toda a Espanha medieval somente pode ser entendidas no contexto da invasão muçulmana.

Tudo começou pelo ano de 813, quanto um eremita de nome Pelayo, seguido de alguns pastores, deparou-se com uma estranha luminosidade que se espalhava sobre um pequeno bosque nas proximidades de um monte do interior da Galícia chamado Libredón. A paisagem, em certos momentos, ficava tão clara que se parecia a um campo estrelado (Campus Stellae = Compostela).


Teodomiro, o bispo local, informado do estranho fenômeno, soube que a luz focara no chão uma antiga arca de mármore. Nela se teria encontrado os restos humanos do que se atribuiu ser o Apostolo Santiago (isto é, São Iago, São Jacó, o filho de Zebedeu, irmão de João Evangelista). Uma história antiga que corria de boca em boca entre os cristãos ibéricos dizia que o Apóstolo andara, séculos antes, em missão pela Espanha determinado a evangelizá-la, mas que ao voltar à Palestina teria sido decapitado pelo rei Herodes Agripa, no ano de 44.

O corpo dele então, acomodado num sepulcro de mármore, fora colocado a bordo de um barco no porto de Jaffa e lançado ao mar. Sem tripulação, sem leme nem nada, soprada apenas pelo vento, a nau teria vindo aportar nas costas da Galícia, região da Espanha que os romanos chamavam então de Finis Mundi. Recolhida da praia, a arca fora enterrada num “compostum”, quer dizer um cemitério romano-galego daquele tempo.

Durante os séculos seguintes, ninguém mais tomou conhecimento dela, até que começaram a ocorrer aquelas iluminações esplendidas que o bispo Teodomiro consagrou. O sensacional e miraculoso achado, que logo atraiu o rei astur-leonês Afonso, o casto (789-842), e sua corte para lá, fez com que lá fixassem a pedra da primeira igreja dedicada ao Apóstolo.

Não demorou em que a boa nova, comunicada por Afonso ao próprio Carlos Magno, circulasse como um raio pelo Império do Ocidente, abrindo caminho para que se dessem os milagres. E as peregrinações então não mais cessaram, fazendo com que num curto espaço de tempo, o santuário de Compostela tivesse a mesma importância para os cristãos das romarias dirigidas à Roma.

Na batalha de Clavijo, em 834, o rei Ramiro I, de Aragão, no aceso do combate, viu-se ajudado por um desconhecido ginete montado num cavalo branco que dava espadadas na mourama. Sentiu que estava ao lado do Apóstolo, desde então transformado em Santiago Matamouros, aparição fundamental na vitória dele contra o emir Abderraban II: “Santiago da Espanha/ matou os meus mouros/ desbaratou minha companhia/ quebrou minha senha/ Santiago glorioso fez os mouros morrerem: Maomé o Preguiçoso, tardou, não quis vir”.

Outras dessas repentinas ações milagrosas do santo ocorreram na longa batalha movida pelos reis espanhóis contra o Califado de Córdoba ou contra os ditos reinos dos Taifas, que mais tarde o sucederam.  Percebendo a importância simbólica do sepulcro de Compostela para o ânimo dos cristãos, Almanzor (El-Mansur), o Seyd, ministro do califa de Córdoba, realizou no ano de 997 uma inesperada sortida relâmpago na região da Galícia.

Não só saqueou e destruiu o santuário com a primeira basílica, como levou consigo o sino e as portas dela, transportadas até o sul, até Córdoba, nos ombros de cristãos escravizados. São Fernando III, rei de Castela, quando recuperou Sevilha, obrigou os mouros a fazerem o caminho inverso carregando os mesmos sinos e portas.

O santo tornou-se o maior ícone dos cristãos na sua oposição desesperada à presença dos interesses de Maomé na Espanha, fazendo com que o seu sepulcro se tornasse fonte de atração permanente para os peregrinos vindos de todos os lugares da Europa, percorrendo os Caminhos de Santiago. Para dar proteção a eles duas ordens militares então surgiram: a de Calatrava (1158) e a de Santiago (1173).

O êxito da campanha da Reconquista, que culminou bem mais tarde com a ocupação do Reino Nasarí de Granada em 1492, foi largamente depositado pelos cristãos nos feitos impressionantes, assombrosos, de Santiago Matamouros.

Este, por sua vez, fora promovido por Ramiro I, desde sua aparição em Cravijos, a protetor oficial da luta contra os mouros a quem toda Espanha devia obrigações:

“... ordenamos e fizemos voto que por toda a Espanha, que se há de guardar por todas as partes da Espanha, que Deus nos conceda livrar-nos dos sarracenos pela intercessão do Apóstolo Santiago, de pagar perpetuamente a cada ano, a maneira de primícias sobre cada jeira de terra uma medida da melhor colheita, o mesmo de vinho, para a manutenção dos padres que residem na igreja do bem aventurado Santiago e para os ministros da mesma igreja...”

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