As
proporções que a devoção a Santiago de Compostela tomou em toda a Espanha
medieval somente pode ser entendidas no contexto da invasão muçulmana.
Tudo
começou pelo ano de 813, quanto um eremita de nome Pelayo, seguido de alguns
pastores, deparou-se com uma estranha luminosidade que se espalhava sobre um
pequeno bosque nas proximidades de um monte do interior da Galícia chamado
Libredón. A paisagem, em certos momentos, ficava tão clara que se parecia a um
campo estrelado (Campus Stellae = Compostela).
Teodomiro,
o bispo local, informado do estranho fenômeno, soube que a luz focara no chão
uma antiga arca de mármore. Nela se teria encontrado os restos humanos do que
se atribuiu ser o Apostolo Santiago (isto é, São Iago, São Jacó, o filho de
Zebedeu, irmão de João Evangelista). Uma história antiga que corria de boca em
boca entre os cristãos ibéricos dizia que o Apóstolo andara, séculos antes, em
missão pela Espanha determinado a evangelizá-la, mas que ao voltar à Palestina
teria sido decapitado pelo rei Herodes Agripa, no ano de 44.
O
corpo dele então, acomodado num sepulcro de mármore, fora colocado a bordo de
um barco no porto de Jaffa e lançado ao mar. Sem tripulação, sem leme nem nada,
soprada apenas pelo vento, a nau teria vindo aportar nas costas da Galícia,
região da Espanha que os romanos chamavam então de Finis Mundi. Recolhida da
praia, a arca fora enterrada num “compostum”, quer dizer um cemitério
romano-galego daquele tempo.
Durante
os séculos seguintes, ninguém mais tomou conhecimento dela, até que começaram a
ocorrer aquelas iluminações esplendidas que o bispo Teodomiro consagrou. O
sensacional e miraculoso achado, que logo atraiu o rei astur-leonês Afonso, o
casto (789-842), e sua corte para lá, fez com que lá fixassem a pedra da
primeira igreja dedicada ao Apóstolo.
Não
demorou em que a boa nova, comunicada por Afonso ao próprio Carlos Magno, circulasse
como um raio pelo Império do Ocidente, abrindo caminho para que se dessem os
milagres. E as peregrinações então não mais cessaram, fazendo com que num curto
espaço de tempo, o santuário de Compostela tivesse a mesma importância para os
cristãos das romarias dirigidas à Roma.
Na
batalha de Clavijo, em 834, o rei Ramiro I, de Aragão, no aceso do combate,
viu-se ajudado por um desconhecido ginete montado num cavalo branco que dava
espadadas na mourama. Sentiu que estava ao lado do Apóstolo, desde então
transformado em Santiago Matamouros, aparição fundamental na vitória dele
contra o emir Abderraban II: “Santiago da Espanha/ matou os meus mouros/
desbaratou minha companhia/ quebrou minha senha/ Santiago glorioso fez os
mouros morrerem: Maomé o Preguiçoso, tardou, não quis vir”.
Outras
dessas repentinas ações milagrosas do santo ocorreram na longa batalha movida
pelos reis espanhóis contra o Califado de Córdoba ou contra os ditos reinos dos
Taifas, que mais tarde o sucederam. Percebendo
a importância simbólica do sepulcro de Compostela para o ânimo dos cristãos,
Almanzor (El-Mansur), o Seyd, ministro do califa de Córdoba, realizou no ano de
997 uma inesperada sortida relâmpago na região da Galícia.
Não
só saqueou e destruiu o santuário com a primeira basílica, como levou consigo o
sino e as portas dela, transportadas até o sul, até Córdoba, nos ombros de
cristãos escravizados. São Fernando III, rei de Castela, quando recuperou
Sevilha, obrigou os mouros a fazerem o caminho inverso carregando os mesmos
sinos e portas.
O
santo tornou-se o maior ícone dos cristãos na sua oposição desesperada à
presença dos interesses de Maomé na Espanha, fazendo com que o seu sepulcro se
tornasse fonte de atração permanente para os peregrinos vindos de todos os
lugares da Europa, percorrendo os Caminhos de Santiago. Para dar proteção a
eles duas ordens militares então surgiram: a de Calatrava (1158) e a de
Santiago (1173).
O
êxito da campanha da Reconquista, que culminou bem mais tarde com a ocupação do
Reino Nasarí de Granada em 1492, foi largamente depositado pelos cristãos nos
feitos impressionantes, assombrosos, de Santiago Matamouros.
Este,
por sua vez, fora promovido por Ramiro I, desde sua aparição em Cravijos, a
protetor oficial da luta contra os mouros a quem toda Espanha devia obrigações:
“...
ordenamos e fizemos voto que por toda a Espanha, que se há de guardar por todas
as partes da Espanha, que Deus nos conceda livrar-nos dos sarracenos pela
intercessão do Apóstolo Santiago, de pagar perpetuamente a cada ano, a maneira
de primícias sobre cada jeira de terra uma medida da melhor colheita, o mesmo
de vinho, para a manutenção dos padres que residem na igreja do bem aventurado
Santiago e para os ministros da mesma igreja...”
Fonte: Heróis Medievais
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