terça-feira, 16 de outubro de 2012

O Drama do Fim dos Tempos – Parte 1




PRIMEIRO ARTIGO

Março de 1885

UMA PALAVRA AO LEITOR

I

Consideramos a Igreja no passado e no presente; falta-nos contemplá-la no futuro. Deus quis que os destinos da Igreja de seu Filho único fossem traçados de antemão nas Escrituras, como foram os de seu próprio Filho; é lá que iremos procurar os documentos de nosso trabalho.

A Igreja, devendo ser semelhante a Nosso Senhor, sofrerá, antes do fim do mundo, uma prova suprema que será uma verdadeira Paixão. São os detalhes desta Paixão, na qual a Igreja fará ver toda a imensidade de seu amor por seu divino Esposo, que se acham consignados nos escritos inspirados do Antigo e Novo Testamento. Nós os passaremos diante dos olhos de nossos leitores. Não temos a intenção de assustar ninguém tratando de tal assunto. Diremos mais: ele nos parece conter, ao lado de grandes ensinamentos, grandes consolações.


II

Certamente é um triste espetáculo ver a humanidade,  seduzida  e enlouquecida pelo espírito do mal,tentar sufocar e aniquilar a Igreja sua mãe e sua tutora divina. Mas deste espetáculo sai uma luz que nos mostra a história por inteiro em seu verdadeiro aspecto.

O homem se agita sobre a terra; mas ele é empurrado por potências que não são da terra. Na superfície da história, o olhar apreende as desordens dos impérios e das civilizações que surgem e desaparecem. Por baixo disto a fé nos faz seguir o grande antagonismo entre Satã e Nosso Senhor; nos faz assistir às astúcias e às violências do espírito imundo, para entrar na casa da qual foi expulso por Jesus Cristo. No fim ele entrará e quererá eliminar Nosso Senhor. Então os véus serão rasgados, o sobrenatural brilhará em toda parte; não haverá mais política propriamente dita; um drama puramente religioso se desenvolverá e envolverá todo o universo.

Pode-se perguntar por que as peripécias deste drama são descritas tão minuciosamente pelos escritores sagrados, já que ele durará pouco tempo? Porque será a conclusão de toda a história da Igreja e do gênero humano. Porque fará ressaltar, com um brilho supremo, o caráter divino da Igreja. Além disso, todas essas profecias têm incontestavelmente o fim de fortificar a alma dos fiéis nos dias da grande prova. Todos os abalos, todos os pavores, todas as seduções que virão assaltá-los,tendo sido preditos tão exatamente, constituirão argumentos em favor da fé combatida e proscrita. A fé, neles se firmará precisamente por aquilo que deveria destruí-la.

Mas nós mesmos temos grandes frutos a tirar da consideração desses estranhos e terríveis acontecimentos. Depois de ter falado deles, Nosso Senhor disse a seus discípulos: “Velai e orai, para que sejais encontrados dignos de fugir destas coisas que acontecerão no futuro, e de permanecerdes de pé na presença do Filho do Homem” (Lc 21, 36).

Assim, pois, o anúncio desses acontecimentos é um aviso solene dado ao mundo: “Velai e orai para não cairdes em tentação”. (Mt 26, 41). Não sabeis quando essas coisas acontecerão: velai e orai, para não seres surpreendidos. Sabeis que desde agora a sedução age nas almas, que o mistério da iniqüidade faz sua obra, que a fé é reputada um opróbrio (São Gregório); velai e orai,para conservar a fé.Eis a hora da noite, hora das potências das trevas: Velai para que vossa lâmpada não se apague, orai para que o torpor e o sono não tomem conta de vós. Mas antes levantai vossas cabeças para o céu; pois a hora da redenção se aproxima, pois começam a raiar os primeiros clarões da aurora. (Lc 21, 28).

III

Depois de ter falado dos ensinamentos, digamos uma palavra sobre as consolações. Nunca se terá visto o mal tão solto; e ao mesmo tempo tão contido pela mão de Deus.

A Igreja, como Nosso Senhor, será entregue sem defesa aos carrascos que a crucificarão em todos os seus membros:mas não lhes será permitido quebrar seus ossos, que são os eleitos, assim como com o cordeiro pascal estendido sobre a cruz.

A provação será limitada, abreviada por causa dos eleitos; e os eleitos serão salvos; e os eleitos serão todos os verdadeiros humildes. Enfim, a provação acabará por um triunfo inaudito da Igreja, comparável a uma ressurreição. Nesse tempo, e mesmo nos prelúdios da crise suprema, ela verá os restos das nações se converterem. Mas sua mais viva consolação será a volta dos judeus.

Os judeus se converterão, seja antes, seja durante o triunfo da Igreja; e São Paulo, que anuncia esse grande acontecimento, não se contém de alegria ao contemplar o que se seguirá.
Vê-se como as palavras do salmo podem se aplicar à Igreja: Seguindo a multidão de aflições que encheram meu coração, vossas consolações, Senhor, alegraram minha alma.


SEGUNDO ARTIGO

abril de 1885

OS SINAIS PRECURSORES

I

A questão do fim do mundo foi discutida desde as origens da Igreja. São Paulo tinha dado sobre esse assunto preciosos ensinamentos aos cristãos de Tessalônica; e como, apesar das instruções orais, os espíritos se deixassem inquietar por predições e rumores sem fundamento, lhes dirigiu uma gravíssima carta para acalmar as inquietações.

“Nós vos rogamos com insistência, lhes diz, meus irmãos, não vos deixeis abalar em vossas resoluções, nem vos perturbeis por qualquer visão, ou falatórios, ou carta supostamente vinda de nós, como se o dia do Senhor estivesse perto”.

“Ninguém de modo algum vos engane! Pois é preciso que antes venha a grande apostasia, e que apareça o homem do pecado, o filho da perdição...”.

“Não vos lembrais que euvos dizia essas coisas quando ainda estava convosco?”.

“E agora vós sabeis o que é que o retém. Pois o mistério da iniqüidade já faz sua obra. Aquele que o retém retenha-o, esperando até que seja posto de lado”. (2 Ts 2, 1, 6).

Assim o fim do mundo não chegará sem que tenha aparecido um homem apavorantemente mau e ímpio, o filho da perdição. E este, por sua vez, só se manifestará depois da grande apostasia geral, depois do desaparecimento de um obstáculo providencial sobre o qual o Apóstolo havia ensinado de viva voz a seus fiéis.

II

De que apostasia fala São Paulo? Não se trata de uma defecção parcial; ele diz de uma maneira absoluta, a apostasia. Só se pode entender a apostasia em massa das sociedades cristãs, que socialmente e civilmente renegarão seu batismo; a defecção dessas nações que Jesus Cristo, segundo a enérgica expressão de São Paulo, tornou membros do corpo de sua Igreja (Ef 3, 6).

Somente esta apostasia tornará possível a manifestação e a dominação do inimigo pessoal de Jesus Cristo,em uma palavra,o Anticristo.Nosso Senhor disse: Será que o Filho do Homem, quando voltar, encontrará a fé sobre a terra? (Lc 18, 8). O divino Mestre via a fé declinar, num mundo que envelhecia. Não são os ventos do século capazes de fazer vacilar esta chama inextinguível, mas as sociedades, embriagadas pelo bem-estar material, a afastam como inoportuna.

Voltando as costas à fé, o mundo entra nas trevas e se torna joguete das ilusões do mal.Pensa que são luzes meteoros enganadores. Irá até tomar pelos primeiros raios do dia a vermelhidão do incêndio. Renunciando a Jesus Cristo, cairá, queira ou não, nas garras de Satã, tão bem chamado príncipe das trevas. Não pode ficar neutro; não pode criar para si uma independência. Sua apostasia o põe diretamente debaixo do poder do diabo e de seus cúmplices.

O douto Estius, estudando o texto do Apóstolo,  diz que esta apostasia começou em Lutero e Calvino. Este é o ponto de partida. Daí fez um caminho assustador. Hoje ela tende a se consumar. Ela se chama Revolução, que é a insurreição do homem contra Deus e seu Cristo. Ela tem como fórmula o laicismo, que é a eliminação de Deus e seu Cristo.

É assim que vemos as sociedades secretas, investidas do poder público, obstinadas em descristianizar a França, tirando-lhe um a um, todos os elementos sobrenaturais com os quais foi impregnada durante quinze séculos de fé. Esses sectários só têm um fim: selar a apostasia definitiva, e preparar as vias para o homem do pecado.

Cabe aos cristãos reagir, com todas as energias de que dispõem, contra essa obra abominável; e para isto reintroduzir Jesus Cristo na vida privada e pública, nos costumes e leis, na educação e instrução. Há muito tempo que, em tudo isso, Jesus Cristo não é mais o que devia ser, isto é, tudo. Há muito tempo, reina uma meia-apostasia. Como, por exemplo, depois que a instrução foi paganizada, poderíamos formar outra coisa que meio-cristãos?

Trabalhando em sentido diametralmente oposto ao da Franco-Maçonaria, os cristãos atrasarão o advento do homem do pecado: prepararão para a Igreja a paz e a independência de que ela precisa para alcançar e converter o mundo que se abre diante dela.

Toda a luta da hora presente está pois concentrada aí: deixaremos, sim ou não, nós batizados, que se consuma a apostasia que trará, em pouco tempo, o Anticristo?

III

O Apóstolo fala,em termos enigmáticos, de um obstáculo que se opõe à aparição do homem do pecado: “Aquele que o retém, diz ele, retenha-o, até que ele seja posto de lado”.

Por esse que retém, os mais antigos Padres gregos e latinos entendem, quase unanimemente, o Império romano. Conseqüentemente, eles assim explicam São Paulo: enquanto subsistir o império romano, o Anticristo não aparecerá. Repugna esta glosa aos intérpretes mais recentes; não admitem que a sorte da Igreja esteja ligada à de um império; mas procuram em vão outra explicação satisfatória.

Confessamos ingenuamente que o pensamento dos antigos não nos parece tão desprezível, desde que o entendamos com certa amplidão. Notemos que São Paulo, anunciando aos fiéis uma apostasia quando a conversão do mundo estava esboçada, estava lhes dando uma visão de todo o futuro da Igreja. Ele lhes anunciou que as nações se converteriam, que se formariam sociedades cristãs, e depois estas sociedades perderiam a fé. Ele lhes mostrara, sem dúvida alguma,  o império romano transformado, um poder cristão surgindo no lugar de um poder pagão, a autoridade dos Césares passando para mão dos batizados que dela se serviriam para estender o reino de Jesus Cristo. Ele poderia, desde então, acrescentar: enquanto durar este estado de coisas, estejam tranqüilos, o Anticristo não aparecerá.

O sentido do Apóstolo, entendido largamente, seria pois, este: enquanto a dominação do mundo estiver entre as mãos batizadas da raça latina, o inimigo de Jesus Cristo não se mostrará.

Notemos como corolário desta interpretação, que os franco-maçons se opõem antes de tudo e acima de tudo à restauração do poder cristão. Quando um príncipe se anuncia como cristão, todos os meios são empregados para se desembaraçar dele. Isto é preciso fazer a qualquer preço [1].

Assim, pois é o poder político cristão o que impediria a seita de alcançar o seu fim. Por outro lado, as raças latinas estão voltadas a exercer no mundo uma  influência católica, ou bem abdicar.  Sua missão é servir à difusão do Evangelho;e sua existência política está ligada a esta missão. No dia em que a ela renunciarem pela completa apostasia, seriam aniquiladas; e o Anticristo, surgindo provavelmente do Oriente, as esmagaria facilmente com os pés [2].

Aqui ainda incumbe aos cristãos agir sobre o espírito público, fazer com que os governos retomem as tradições cristãs,fora do que só haverá a decadência para as nações européias e especialmente para nossa pobre pátria.


[1] O Pe. Deschamps dá curioso detalhe do vivo ódio que a franco-maçonaria tem dos representantes do poder cristão. Em certa prova, o iniciado recebe esta enigmática divisa: L.D.P. Ora, esta divisa tem um duplo sentido. No primeiro significa: Liberdade de pensamento. É a revolta contra Deus. No segundo: Lilia destrue pedibus. Esmague com os pés os lírios: é aquela das monarquias cristãs.

[2] É da tradição dos primeiros tempos da Igreja, consignada em Lactancio, que um dia o império do mundo voltaria à Ásia: Imperium in Asium revertetur.

(Livro O Drama do Fim dos Tempos – Pe. Emmanuel-André – Ed. Eletrônica Permanência)

Saiba mais: O Drama do Fim dos Tempos - Parte 2

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