No sentido corrente da palavra,
"redenção" ou "resgate" é o ato pelo qual adquire-se
novamente, pagando-se o preço devido, o que se possuía anteriormente e não se
possui mais. É assim que se fala do resgate de uma casa, de uma propriedade, e
que se falou também do resgate dos cativos ou dos prisioneiros de guerra.
Pode-se então definir a redenção do gênero humano
como o ato pelo qual o Salvador, pelo preço de seu Sangue, expressão do seu
amor, livrou o gênero humano da servidão do pecado e do demônio e o reconciliou
com Deus. Em outros termos, segundo expressões caras a Sto. Anselmo1 e Sto.
Tomás2, Ele satisfez por nossos pecados, pagou a dívida à justiça divina e nos
mereceu a salvação. O Concílio de Trento define assim este dogma: "A causa
meritória de nossa justificação é o Filho único de Deus, Nosso Senhor Jesus
Cristo, que, quando éramos inimigos (Rm. 5,10), por causa do grande amor com
que Ele nos amou (Ef. 11,4) mereceu nossa justificação e satisfez a Deus Pai
por nós, pela Sua Santíssima paixão sobre o madeiro da cruz. 3
A redenção assim concebida era necessária, depois
da queda do homem, se Deus quisesse nos elevar e exigir uma reparação
equivalente à gravidade da ofensa que é o pecado mortal.
É verdade que convinha a Deus querer nos elevar
depois da queda, porque o pecado do homem, menos grave do que o do demônio, não
é irreparável, e porque o pecado original só foi voluntário no primeiro homem.
Mas Deus teria podido nos elevar perdoando-nos e
exigindo uma reparação imperfeita4. Poderia contentar-se enviando-nos um
profeta que nos fizesse conhecer as condições do perdão.
Ele fez infinitamente mais e, exigindo uma
reparação equivalente à gravidade a ofensa, deu-nos Seu Filho como Redentor. Se
sua Justiça exigiu esta reparação, Sua misericórdia nos deu o Salvador, o único
capaz de reparar plenamente a ofensa ou a desordem do pecado mortal.
Na verdade, a injúria é tão mais grave quanto maior
a dignidade da pessoa ofendida; é mais grave insultar um magistrado do que um
qualquer que nos apareça pela frente.
O pecado mortal pelo qual o homem, com conhecimento
e pleno consentimento, despreza em matéria grave a lei divina, agindo contra
ela; o pecado mortal pelo qual o homem se desvia de Deus, tem uma gravidade
infinita, porque ele praticamente nega a Deus a dignidade infinita de fim
último e coloca falsamente este fim num miserável bem criado. Se a ofensa
cresce com a dignidade do ofendido, a injúria feita a Deus pelo pecado mortal
tem uma gravidade sem limite; ela lhe recusa a dignidade de Bem Supremo5. Para
compreender toda a gravidade desta injúria, seria necessário ter visto a Deus;
os anjos e os santos a compreendem melhor do que os demônios e os seres mais
perversos.
Para reparar essa desordem era preciso um ato de
amor a Deus de valor infinito. Ora, nenhuma criatura, que permanece sempre
criatura, pode dar a seu ato de amor esse valor infinito; seu ato, mesmo sendo
sobrenatural, fruto da graça e da caridade infusa, continua finito como a
criatura de que procede, como a graça e a caridade criadas, apesar de se
dirigirem a um objeto infinito que é o próprio Deus. Podemos amar a Deus, mas
não podemos amá-lo infinitamente. Só Ele é capaz de se amar assim.
E então, para que houvesse na terra, numa alma
humana, um ato de amor a Deus de valor infinito, era necessário que essa alma
humana fosse de uma pessoa divina. Tal foi a alma do Verbo feito carne: seu ato
de amor extraia da personalidade divina do Verbo um valor infinito para
satisfazer e merecer. Era o ato de amor de uma alma humana, mas também de uma
pessoa divina; é chamado por essa razão de ato teândrico, ao mesmo tempo divino
e humano.
Esta aí a própria essência do mistério da redenção,
que S. Tomás exprime nesses termos:
"Para satisfazer, propriamente, reparando uma
ofensa, é preciso oferecer ao ofendido alguma coisa que lhe agrade ao menos
tanto quanto lhe desagrada a ofensa. Ora, o Cristo, sofrendo por amor e
obediência, ofereceu a Deus mais do que seria necessário para reparar a ofensa
total do gênero humano. Isto por causa da grandeza do amor pelo qual sofria,
por causa da dignidade da vida oferecida, vida de um Deus e homem, por causa da
generalidade da Paixão e da grandeza da dor assumida. Assim, a Paixão do
Salvador foi uma satisfação não apenas suficiente mas superabundante pelos
pecados do gênero humano, segundo a palavra de S. João: "Ele é uma vítima de
propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos mas também pelos
do mundo inteiro." (I. João, 2,2) 6.
Resumindo: o amor de Cristo morrendo por nós na
Cruz agradou mais a Deus do que todos os pecados dos homens juntos poderiam
desagradá-lo. É nesse ponto sobretudo que deve se fixar nossa contemplação:
todo o resto converge em direção ao contraste expresso por essas duas palavras:
Pecado e Amor redentor.
(Extrato de "Le
Sauveur et son Amour pour nous"; tradução: PERMANÊNCIA)
________________________________________________________________
1. Sto. Anselmo, "Cur Deus homo", P.L.,
t. 158, pp. 361-340.
2. S. Tomás, II, q. 1, q. 46, a. 1-4.
3. Q. Concilium Trid, sess. VI, cap. 7. Denzinger
799 e 820
4. S. Tomás, III, q. 1, a. 2.
5. Cf. S. Tomás, III, q. 1, a. 2, ad 2; De
Veritate, q. 28, a. 2.
6. S. Tomás, III, q. 48, a. 2: "Ultrum passio
Christi causaverit nostram salutem per modo satisfactionis".
Extraido: http://permanencia.org.br/drupal/node/225
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