O pão
nosso de cada dia, nos dai hoje
53. —
Muitas vezes, a grandeza da ciência e da sabedoria tornam o homem tímido, e então é preciso ter força no
coração, para que o homem não desanime
diante das necessidades.
O Senhor,
diz Isaías (40, 29), dá força aos cansados e vigor aos que são fracos. E Ezequiel (2, 2) também diz:
Entrou em,mim o Espírito, e me firmou
sobre os meus pés. O Espírito Santo, de
um lado, dá força para impedir que o homem desfaleça com o medo de não ter o necessário,
e por outro lado, para que o homem creia
firmemente que Deus o proverá de tudo que precisar.
Assim o
Espírito Santo, dispensador desta força, nos ensina a dizer: O pão nosso de
cada dia nos dai hoje. E o chamamos Espírito de força.
54. — É
preciso saber, que nos três pedidos precedentes do «Pai Nosso», pedimos bens
espirituais, cuja possessão começa neste mundo, mas só será perfeita na vida
eterna. Com efeito, quando pedimos a santificação do nome de Deus, pedimos que
reconheçamos Sua santidade; pedindo a vinda de Seu reino, pedimos alcançar a
vida eterna; pedir para que a vontade de Deus seja feita é pedir que Deus
cumpra Sua vontade em nós. Todos esses bens, parcialmente realizados neste
mundo, só o serão perfeitamente, na vida eterna.
Também é
necessário pedir a Deus alguns bens indispensáveis, cuja possessão perfeita é
possível na vida presente. Por isso, o Espírito Santo nos ensina a pedir estes
bens, necessários à vida presente e perfeitamente possuídos aqui em baixo.
Ao mesmo
tempo nos faz mostrar que é Deus que nos provê em nossas necessidades
temporais, quando dizemos: «O pão nosso de cada dia nos dai hoje».
55. — Por
estas palavras, Jesus nos ensina a evitar os cinco pecados que se comete
habitualmente por um desejo imoderado das coisas temporais. O primeiro destes
pecados é que o homem, insaciável, quanto às coisas que convêm a seu estado e a
sua condição, e impelido por um desejo desregrado, pede bens que estão acima de
sua condição. Age como um soldado que se queira vestir de oficial ou um clérigo,
como um bispo.
Este vício
desvia o homem das coisas espirituais, porque o prende excessivamente a coisas
temporais. O Senhor nos ensina a evitar tal pecado, mandando-nos pedir somente o pão, quer dizer, os bens
necessários a cada um nesta vida, segundo a sua condição particular: sob o nome
de «pão», estão compreendidos todos esses bens. O Senhor não nos ensinou a
pedir coisas delicadas, variadas e exóticas, porém pão, sem o qual o homem não
pode viver e que é o alimento comum a todos. O essencial da vida do homem, diz
o Eclesiástico (29, 28), é a água e o pão. E o Apóstolo escreveu a Timóteo
(1,6, 8): Tendo pois com que nos sustentar e com que nos cobrirmos,
contentemo-nos com isso.
56. — Um
segundo vício consiste em cometer-se injustiças e fraudes na aquisição dos bens
temporais. Este é um vício perigoso, porque é difícil restituir os bens
roubados e, segundo Santo Agostinho, «tal pecado não é perdoado, se não restituímos
o que foi roubado».
O Senhor
nos ensina a evitar este vício, pedindo para nós, não o pão de outrem, mas o
nosso. Os ladrões comem o pão dos outros e não o seu próprio.
57. — O
terceiro pecado é a solicitude excessiva para com os bens terrenos. Há pessoas
que nunca estão satisfeitas com o que têm e querem sempre mais. Senhor, não me
deis nem a Pobreza nem a riqueza: dai-me somente o que for necessário para
viver, dizem os Provérbios (30, 8). Jesus nos ensina a evitar este pecado pelas
palavras: «de cada dia nos dai hoje», quer dizer, o pão de um só dia ou de uma
só unidade de tempo.
58. — O
quarta vício, causado pelo apetite desmesurado das coisas daqui de baixa,
consiste numa insaciável avidez dos bens terrenas, uma verdadeira voracidade. Querem
consumir em um só dia o que é suficiente para muitos dias. Estes não pedem o
pão de um dia, mas o de dez. Gastando sem medida, chegam a dissipar todos os
seus bens, segundo a palavra dos Provérbios (23, 21): Passando o tempo a beber e a comer se arruínam, e segunda esta
outra palavra (Ecl. 19, 1): O operário dado ao vinho não enriquecerá.
59. — O
deseja desregrada dos bens terrestres engendra um quinto pecado, a ingratidão. Este
é o deplorável vício do homem que se orgulha de suas riquezas e não reconhece
que as deve a Deus, autor de todos os bens espirituais e temporais, segunda a
palavra de Davi(I Par. 29, 14): Teu é tudo e o recebemos de tua mão.
Para
afastar esse vício e fixarmos que todos esses bens vêm de Deus, Jesus nos faz
dizer: «Dai-nos nosso pão».
60. —
Recolhamos a lição da experiência e das Sagradas Escrituras a respeito do
caráter perigosa e nociva das riquezas. Quantas vezes se possui grandes
riquezas e não se tira qualquer utilidade delas, mas, ao contrário, males
espirituais e temporais. Há homens que morrem par causa de suas riquezas. Há
ainda um mal que tenho visto debaixo do sol, diz o Eclesiastes (6, 1-2), e
ordinário por certo entre os homens: um homem a quem Deus deu riquezas, bens e
honra; nada falta à sua alma de tudo o que pode desejar, e Deus não lhe
concedeu o poder de gozar destes bens, mas virá um homem estranho a devorar
suas riquezas. E diz ainda o Eclesiastes (5, 12): Ainda há outra enfermidade
bem má debaixo do sol: as riquezas acumuladas em detrimento de seu dono.
Devemos,
portanto, pedir a Deus que nossas riquezas nos sejam úteis. Quando dizemos:
«Dai-nos o nosso pão», é isso que pedimos, que os nossos bens nos sejam úteis e
que não se verifique conosco o que está escrito do homem mau (Jo 20, 14,15): o
pão, em suas entranhas, se converterá em fel de áspides. Vomitará as riquezas
que devorou e Deus lhas fará sair das entranhas.
61 —
Voltando ao vício de uma solicitude excessiva em relação aos bens terrenos,
vemos homens que se inquietam hoje com o pão de um ano inteiro, e se chegam a
possuí-lo, nem por isso, deixam de se atormentar. Mas o Senhor lhes diz (Mt 6,
31): Não vos inquieteis, pois, dizendo: que comeremos ou o que beberemos ou com
que nos vestiremos? Também Deus nos ensina a pedir para hoje o pão nosso, quer
dizer, o necessário para o momento presente.
62.—
Existem além do pão,alimento do corpo, duas outras qualidades de pão. O pão
sacramental e o da palavra de Deus. Na Oração Dominical também pedimos nosso
pão sacramental que é todo dia preparado na Igreja e que recebemos como
sacramento, como penhor de nossa salvação. Jesus declarou aos Judeus (Jo 6,5):
Eu sou o Pão vivo que desceu do céu. — Quem come deste pão, e bebe do cálice do
Senhor indignamente, come e bebe para si a condenação (1 Cor 11, 29).
Pedimos
também na Oração Dominical este outro pão que é a palavra e Deus. Deste pão
disse Jesus (Mt 4, 4): Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que
vem da boca de Deus. Pedimos assim que nos dê pão, isto é, o Verbo de Deus, de
onde provém para o homem a bem-aventurança da fome e sede de justiça.
Quanto mais
bens espirituais possuímos, mais desejamos e este desejo aguça o apetite e a
fome, que será saciada na vida eterna.
Fonte:
Sermões de São Tomás de Aquino, Edição Eletrônica Permanência, 2003
Saiba mais:
Sermões de São Tomás de Aquino – A Oração
Dominical Parte 5 (Seja feita a Vossa vontade, assim na terra comono céu)
Sermões de São Tomás de Aquino – A Oração Dominical Parte 7 (Perdoai as nossas dividas, assim como perdoamos os nossos devedores)
Sermões de São Tomás de Aquino - A Oração Dominical Parte 8 (E não nos deixeis cair em tentação)
Sermões de São Tomás de Aquino - A Oração Dominical Parte 9 - Final (Mas livrai-nos do mal. Amém)
Sermões de São Tomás de Aquino – A Oração Dominical Parte 7 (Perdoai as nossas dividas, assim como perdoamos os nossos devedores)
Sermões de São Tomás de Aquino - A Oração Dominical Parte 8 (E não nos deixeis cair em tentação)
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